terça-feira, 30 de outubro de 2007

O padre, o moço e os quadros

Um dos casos mais polêmicos dos últimos tempos é toda a questão que envolve a extorsão sofrida pelo padre Júlio Lancelotti - religioso que durante três décadas vem fazendo um trabalho respeitado sobre os direitos do "povo da rua".

Sem dúvida, o padre foi vítima de extorsão. Sem dúvida, também, os motivos pelos quais cedeu à extorsão parecem nebulosos. O mero otimismo com a possibilidade de reabilitação do rapaz que conheceu na Febem, manifestado pelo padre, não justifica ceder por tanto tempo a extorsões no volume apontado.

O problema é que, excluído o otimismo, ganha força a possibilidade do relacionamento muito pessoal entre os dois. O que seria perfeitamente uma questão de foro íntimo deles, se não houvesse a extorsão e o fato de, quando eles se conheceram, o rapaz ser menor de idade e ter estado sob a guarda da Febem.

Assim como não é saudável aceitar tudo automaticamente como verdade, não é recomendável classificar tudo como mentira. Ainda há vários aspectos a esclarecer, sem falar no lado religioso/institucional envolvido. Cabe aguardar novas informações. O que vem ao caso aqui neste blog não é o caso específico do padre, mas o que ele demonstra sobre como funciona o país.

Nos últimos meses, no Brasil, figuras importantes de três correntes religiosas enrolaram-se em questões pessoais criando questões públicas.

Por um lado, é bom - isso indica que não há intocáveis no Brasil por questões de fé. Nem evangélicos, nem judeus, nem católicos. Nem aqueles que, durante anos, tiveram boas relações com o Estado. Cai por terra, por exemplo, o argumento dos líderes da Renascer de que eles são atacados meramente por causa da religião que professam (o que sugeriria que um religioso católico envolvido em algum escândalo seria protegido).

Por outro lado, é ruim - como dizia Eugênio Gudin, "o Brasil não tem quadros". Muitas vezes, um trabalho ou uma instituição inteiros acabam dependendo de uma figura carismática apenas. Quando ela se afasta, por algum motivo, todo um trabalho desenvolvido ao longo de anos acaba se esfarelando.

É o risco que corre o trabalho de Lancelotti - goste-se ou não da figura do padre ou de seu trabalho. À Folha, integrantes de ONGs de defesa dos direitos humanos afirmaram que o caso abala sua luta. É compreensível que eles se revoltem ao ver um antigo aliado envolvido em um escândalo. Mas nem por isso devem ter seu trabalho abalado.

Com algum juízo, a iconoclastia dos tempos poderá se tornar um motivo para incentivar as instituições brasileiras a se fortalecerem para além de suas figuras carismáticas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Discordo. Não é apenas uma questão de foro íntimo. Além de todos os motivos que você já disse, a questão envolve princípios religiosos e morais. A religião que ele professa não permite relacionamentos sexuais.

Marcelo disse...

Concordo em parte com a observação. Mas, ao menos pelo meu ponto de vista, religião é uma questão de foro íntimo. Que, no caso do padre, torna-se uma questão menos íntima pelo fato de a profissão dele ser a religião.