Peguei a mais recente versão da "Lista Suja" do Ministério do Trabalho. É a lista de fazendas flagradas mantendo trabalhadores em condições análogas à escravidão. Transformei-a em uma planilha, para facilitar a análise (abra-a aqui).
Estranhei o fato de a lista não incluir os dados da mais importante ação promovida em 2007 pelo Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. Ela ocorreu em julho, em Ulianópolis (PA), na fazenda Pagrisa, maior produtora de álcool na Amazônia. Foram libertados 1.108 trabalhadores que, segundo o grupo, eram mantidos em condições desumanas. Entre outras sanções, a fazenda perdeu contratos que tinha com a Petrobras.
A ação se tornou polêmica porque a empresa utilizou de toda sua influência para levar um grupo de senadores para fazer uma inspeção por lá e afirmar que as condições da fazenda eram exemplares. Fiscais responsáveis pela ação foram chamados a serem ouvidos. Até no YouTube foram veiculados vídeos em defesa da empresa. O grupo móvel, acusando o Senado de interferência política, suspendeu as inspeções por 22 dias, em 2 de outubro. Voltou perto do final do mês, com o apoio a Advocacia-Geral da União.
Nada se falou sobre mudanças em relação ao tratamento da Pagrisa. Ela regularizou sua situação? Os fiscais estavam errados? Nada foi dito a respeito. Possivelmente, tampouco perguntado. O fato é que a lista suja não inclui os dados da Pagrisa.
Quando a lista suja saiu, na sexta, eu tinha o interesse de ver quantos trabalhadores em situações análogas às de escravidão foram libertados em fazendas brasileiras durante o ano. Vi várias notícias a respeito, inclusive a da fazenda no Mato Grosso, de propriedade de um conselheiro licenciado do Instituto Ethos, onde mais de 800 índios eram mantidos nesse tipo de condição. Imagine só: o etanol, tido hoje como o combustível do futuro, com uma grande demanda, produzido em condições do passado.
O número de trabalhadores em condições análogas à escravidão em lavouras de cana, neste ano, era no entanto exatamente o mesmo do ano passado. Nem a Pagrisa com seus 1.064 trabalhadores, nem a fazenda dos 820 índios constam da lista. Mais ainda: há 47 registros na lista que sequer informam que tipo de atividade tinha a fazenda (eram 34 na versão anterior, de junho).
A metodologia da confecção da lista confunde um pouco os observadores: ela exclui as fazendas que regularizaram sua situação, embora muitas vezes essas fazendas acabem voltando. Então, não se tem um registro histórico de trabalhadores libertados por ano, por exemplo, porque as fazendas vão deixando de figurar na lista conforme informam ter-se regularizado. Também não há na lista a informação sobre há quanto tempo cada fazenda está na lista.
Já entrei em contato com o Ministério do Trabalho solicitando esse tipo de informação. Não recebi resposta alguma - apenas uma resposta informando que a lista é atualizada de seis em seis meses (o que eu já sabia).
A lista suja é um documento importante. Mas o acúmulo de silêncios que ficam pouco claros para quem não está perfeitamente por dentro do assunto pode deixar brechas para que um espírito-de-porco imagine que parte da sujeira foi varrida pra baixo do tapete.
sábado, 15 de dezembro de 2007
Uma varridinha na lista suja
Postado por Marcelo às 20:48
Marcadores: cultura política, dados, dinheiro é vendaval, direito de acesso, sociedade da informação
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