domingo, 10 de fevereiro de 2008

O Correio esqueceu o traseiro de Tramandaí

Nos anos 90, o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, foi processado por uma moça que afirmava ser a portadora de um bumbum figurante de uma foto tirada na praia no verão. Na ação movida contra o jornal, ela dizia que tinha sido reconhecida na rua e virado motivo de chacota. O saudoso Paulo Acosta rolava de rir: "deve ser a bundinha mais famosa da praia de Tramandaí".

Não foi o único caso do gênero. Várias vezes o Correio do Povo foi processado com argumentos bobos, como várias vezes vários jornais brasileiros são processados com argumentos bobos. E continuarão sendo, cada vez mais, porque isso virou uma indústria.

O caso mais recente, hoje, é o da Folha de S.Paulo, que publicou uma reportagem bem fundamentada sobre o crescimento das empresas de propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus. No ano passado, a igreja comprou o Correio do Povo e as rádios e TV Guaíba.

Vários fiéis da igreja, em diversas partes do Brasil, processaram o jornal e a repórter Elvira Lobato, uma das melhores do Brasil. Diziam ter sofrido dano moral com a publicação da reportagem. De Jaguarão (RS) a Tefé (AM), todos os processos movidos contra Elvira tinham exatamente o mesmo texto. Todos os fiéis diziam ter ouvido as mesmas coisas:

    "Viu só! Você que é trouxa de dar dinheiro para essa igreja!!" "Esse é o povo da sua igreja?! Tudo safado!!'; "É. Crente é tudo tonto, mesmo'".

É obviamente um negócio orquestrado. E muito obviamente ridículo pra qualquer um que saiba somar dois e dois: será que a Folha chega a Tefé? Mesmo podendo a igreja perder, sabe que será difícil a repórter comparecer a todas as audiências, causando um constrangimento judicial.

A igreja já perdeu pelo menos duas vezes, em Epitaciolândia (AC) e Bataguassu (MS). Nesta, o juiz condenou o fiel por litigância de má fé. Naquela, o juiz classificou o acúmulo de ações como "assédio judicial".

Pois ontem o jornal Correio do Povo, aquele que foi processado pela moça do célebre traseiro, publicou um abre de página praticamente comemorando o fato de Elvira não ter comparecido a duas audiências na sexta-feira:

    Prosseguem as ações de fiéis da Igreja
    Universal contra a Folha de São Paulo

Um jornal dar razão a esse tipo de processo é um tiro no pé, porque mais dia ou menos dia ele próprio pode sofrer isso - como já sofreu algumas vezes, e nada indica que vá deixar de sofrer. Dar razão a esse assédio judicial é assentir no abuso que ele próprio poderá sofrer um dia.

OK, o jornal é do bispo. Mas, quando for sofrer um abuso judicial assim, parece-me perder o direito moral de reclamar, porque já manifestou aprovação quando foi conveniente ao dono. É lógica.

Mais ainda: até a publicação dessa matéria, não havia nenhuma manifestação institucional da igreja ou de suas empresas em apoio às ações. Mesmo com as iniciais idênticas, as ações eram caracterizadas como iniciativas individuais dos fiéis. Agora, isso me parece ter mudado.

Até sexta, colaborei eventualmente com artigos para o jornal. Não vejo motivo pra continuar colaborando. Tenho ótimos amigos lá, mas não dá pra misturar as coisas.

2 comentários:

Anônimo disse...

A liberdade é uma coisa complicada. As liberdade de imprensa e a de culto religioso, muitas vezes, são facas de dois gumes: permitem a expressão de devoções e idéias e permitem também abusos. O problema difícil de equacionar é que toda liberdade pode ser confundida com "poder fazer o que quiser", tornando-se uma forma de de autoritarismo, assim como todo limite à legítima liberdade.

Luiz Edmundo

Marcelo disse...

Nesse caso, é outra coisa. Tem mais a ver com o uso de uma chuva de ações na Justiça pra intimidar um jornal. Não há restrição e nem abuso de liberdade de ninguém, parece.