quarta-feira, 9 de abril de 2008

O triunfo da cultura idiota

Há 16 anos, Carl Bernstein deu uma palestra publicada no The Guardian com o título "O Triunfo da Cultura Idiota". Ele ligava, de certa forma, toda a frivolidade do extenso noticiário sobre celebridades à forma como Nixon reagiu ao caso Watergate: virando de cabeça pra baixo a questão, ao mudar o foco da questão denunciada para o vazamento. É um jogo em que ambos os lados, governo e imprensa, chutam a bola. E quem mais tem a ganhar com esse jogo é quem tem algo a esconder.

O lembrete de Bernstein nunca perde a atualidade, infelizmente. Por isso, em 2003, traduzi e o Observatório da Imprensa publicou na íntegra. Abaixo, um trecho:

    É importante lembrar da resposta do governo Nixon em Watergate. Eles preferiram questionar a conduta da imprensa ao invés da conduta do presidente e de seus homens. Dia após dia, a Casa Branca de Nixon liberava o que chamávamos de "não-negação"; pedia para comentar o que escrevemos. O secretário de imprensa Ron Ziegler, o líder da minoria na Câmara Jerry Ford e o líder republicano no Senado Bob Dole nos acusavam de abastecedores do diz-que-diz, de assassinar reputações, e faziam insinuações sem nunca tocar no que nossas matérias diziam.

    Ao invés de desaparecer depois do Watergate, a técnica nixoniana de transformar a imprensa no assunto ganhou novos patamares de esperteza e cinismo na administração Reagan e floresce hoje. Daí a declaração de Reagan sobre os tristes eventos que devastaram sua presidência no caso Irã-Contras: "O que me faz subir as paredes é que isso não era um problema até que a imprensa pegou uma dica naquele pasquim de Beirute e começou a encher a bola. A coisa toda acaba numa grande irresponsabilidade por parte da imprensa".

    Agora, com George Bush [pai], temos outro presidente obcecado com vazamentos e sigilo, um presidente que não entendia por que a imprensa achava que era notícia revelar que seus homens armavam uma falsa apreensão de drogas na Lafayette Square, do outro lado da rua da Casa Branca. "Do lado de quem vocês estão?", ele perguntou. Essa era uma questão legitimamente nixoniana. Esse desprezo pela imprensa, passado para centenas de funcionários públicos que hoje têm mandatos, pode ser o mais importante e duradouro legado do governo Nixon.

    Em retrospecto, a extraordinária campanha de Nixon para minar a credibilidade da imprensa teve um sucesso memorável, apesar de toda a pose de nossa profissão depois do Watergate. Teve sucesso muito por causa de nossas próprias deficiências óbvias. O fato duro e simples é que nosso trabalho de reportagem não tem sido bom o suficiente. Não era bom durante os anos Nixon, piorou nos anos Reagan e não está melhor agora. Somos arrogantes. Falhamos em abrir nossas próprias instituições da mídia ao mesmo tipo de escrutínio que exigimos de outras poderosas instituições da sociedade. Não somos nem um pouco mais dispostos ou graciosos ao reconhecer erros ou maus julgamentos do que os canalhas do Congresso e criminosos burocráticos que passamos tanto tempo cobrindo.

    O maior crime do negócio da notícia hoje é ficar para trás ou perder uma grande matéria. Então, a velocidade e a quantidade substituem a perfeição e a qualidade, a exatidão e o contexto. A pressão para competir, o medo de que alguém dê primeiro a notícia, cria um ambiente frenético onde uma nevasca de informações é apresentada e questões sérias não podem ser levantadas: e mesmo naquelas bem-aventuradas instâncias em que tais perguntas são feitas, ninguém passou meses trabalhando para verificar e respondê-las corretamente.

    Reportagem não é estenografia. É a melhor versão da verdade possível de se obter. As tendências realmente significativas no jornalismo não têm ido em direção a um compromisso com a melhor e mais complexa versão da verdade possível de se obter, não em direção a construir um novo jornalismo baseado em reportagens sérias e refletidas. Essas não são as prioridades que saltam para o leitor da maior parte de nossos jornais, nem o que o espectador recebe quando liga nos noticiários.

Um comentário:

Luiz Edmundo disse...

Muito bom o texto do Carl Bernstein. Realmente, os governantes sempre acusam a imprensa; mais com o intuito de desacreditá-la do que de apontar seus erros estruturais, afinal ela também serve aos seus interesses. Quanto à imprensa, que não é neutra nunca, falta, como ele bem colocou um maior rigor investigativo. O exemplo do tal dossiê é bem ilustrativo: às vezes, até parece que os jornalistas fazem parte do DEM e do PSDB, pois seus discursos são bastante semelhantes, isso sem falar dos declatórios dos parlamentares oposicionistas, sempre mais evidenciados do que as explicações da equipe governamental. Falando em imprensa, saiu ontem (9/4)que um ministro (não lembro qual)declarou explicitamente que estava usando o PAC com fins eleitorais. Li no UOL pela manhã e não vi mais nada nem em jornais nem na televisão. O assunto do dossiê está tão forte que calou a notícia ou alguém mais forte calou a imprensa?