quarta-feira, 9 de abril de 2008

Os Caça-Fontes

O Gre-Nal esquentou. Só que agora o campo é o jornalismo.

Na última semana, uma coisa que me deixou um tanto cabreiro em meu monitoramento diário de jornais e revistas foi a quantidade de reportagens feitas nos últimos dias com a simples pauta de tentar descobrir as fontes e motivações inconfessáveis de outros jornalistas.

Primeiro, foi esta do Terra Magazine a respeito do deputado que teria repassado o dossiê-que-não-era-dossiê à imprensa: Álvaro Dias admite que foi fonte da Veja

Neste final de semana, a CartaCapital publicou um pacote com duas matérias caça-fonte feitas na Itália sobre o caso das Teles-Jornalismo. A primeira vai atrás de uma tradutora entrevistada pelo Marcio Chaer, do Consultor Jurídico (a que disse que o Paulo Henrique Amorim receberia grana da Telecom Itália). A segunda vai atrás de um ex-chefe de segurança da Brasil Telecom que foi entrevistado pelo Diogo Mainardi, há meses. Ambas procuram sondar interesses escusos nos entrevistadores.

Pessoalmente, acho meio doentio esse negócio de caça-fontes. Tirando os motivos viscerais (dói-me o fígado ler uma matéria assim), gasta-se nisso tempo e recursos preciosos que poderiam ser usados para fazer uma reportagem de verdade. Inclusive uma reportagem de verdade desmontando a que os caça-fontes querem questionar.

Existe de fato um jogo do off entre parte dos jornalistas e das fontes, em que balões de ensaio e material de procedência escusa é negociado para detonar adversários. Nem sempre essas informações se confirmam. O professor Chaparro já discorreu sobre o assunto. Hélio Schuch, professor de jornalismo, estudioso de teoria dos jogos e meu maestro soberano, resume assim o jogo:

    "No jogo, os jogadores são racionais, ou seja, estrategistas. A interação é egoísta, porque os dois querem ganhar. No jornalismo, a informação é assimétrica: a fonte sempre sabe mais que o repórter, mas também deve ganhar algo com isso, já que é proprietária da informação. É o ‘toma-lá-dá-cá’. O jornalista só suaviza a sua dependência com a fonte quanto mais conhecimento e poder de estratégia ele tiver, como num jogo de xadrez."

Isso é dado - os interesses das fontes sempre vão estar lá. O remédio é apuração, sempre. É óbvio que isso irrita os governantes de plantão - ainda que os seus, quando eram oposição, tenham aprendido direitinho como se joga esse jogo. A Eliane Cantanhêde falou bem sobre isso. Acho irônico, mas não inesperado, quando o Lula diz uma coisa assim:

    — O que quero é saber quem vazou! Não me interessa se foi um ministro ou um funcionário humilde. Quero saber, porque essa pessoa pode vazar outras coisas importantes do governo.

(Eu, pessoalmente, fiquei imensamente curioso agora pra saber que coisas são essas.)

Esse negócio de caçar as fontes dos outros me lembra muito o Richard Nixon querendo achar o Garganta Profunda. Quando o ex-número 2 do FBI, Mark Felt, foi revelado como a fonte secreta de Bob Woodward, o National Security Archive publicou documentos de Felt as transcrições das conversas palacianas a respeito. Coisas assim:

    Nixon: And before I sent Pat Gray’s name up [for nomination, in May 1972], I said, “Pat,” I said, “I want you to check these leaks.” He said, “Oh, they couldn’t be from the Bureau.” I said, “Yes they are.” I said, “Some are.” And I said, “We have from very good authority that they’re from Felt.” [Gray said], “Oh, they couldn’t be from Felt.” I said, “Dammit, they may be,” and I said, “You ought to give him a lie-detector test.” You know, I was very tough. “Oh, we can’t do that,” he said, “But,” he said, “I vouch for Felt.” I also raised it with Kleindienst. Kleindienst vouched for Felt, which shows how clever Felt is.

    Haig: Yeah.

    Nixon: But, my point is that this was three or four months ago, Al, that we were on to the son-of-a-bitch and had a, you know, we had something. We had lead, and it shows you how important that you and I have got to be sure that when we get leads like this in the future we don’t disregard them.

    Haig: That’s right. That’s right.

    Nixon: Isn’t that interesting?

    Haig: That’s incredible.

    Nixon: What did he do? Did he go out and tell them about what? About the—that—the thing that—What did the judge dismiss on? Just on the fact that he had heard that there had been wiretapping of this fellow [Daneil Ellsberg] which occurred long before the case began? Was that it?

    Haig: Yeah, well, he—The way he described it, of course, is that the irregularities—

    Nixon: I see.

    Haig: —that’s the phrase.

Esse tipo de reação, embora perigosa porque a Constituição promete garantir o sigilo da fonte, é de certo modo esperada vinda de um governo. O que não me agrada nem um pouco, e na verdade até me enoja um tanto, é ver jornalistas nesse papel.

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