quinta-feira, 22 de maio de 2008

Cicatrizes da ditadura

O professor Roberto Romano é um sujeito muito ponderado. Uma das melhores cabeças pensantes que temos no país, em questões de ciência política. Não dá pra não ficar indignado quando a gente lembra dele e o vê em situações como a descrita neste post em seu blog.

    Há coisa de dois anos fui assaltado na Avenida Faria Lima, 24 horas depois de sermos assaltados em nossa casa. Os primeiros ladrões se apresentaram como funcionários da Telefonica, com crachá, uniformes, até mesmo a senha numérica para autorização de entrada em casa (clonaram o telefone, a quadrilha tinha uma central telofonica sofisticada, soubemos quando os seus integrantes foram presos). Fomos à Telefonica para avisar a segurança, para que outros clientes não fossem vítimas também. Fomos péssimamente recebidos na Telefonica, com aqueles atendentes robô que nos disseram :"os senhores precisam estar indo à Rua Sete de Abril, porque são particulares, não firma". Tentei argumentar que eu não tinha "de estar indo" em lugar nenhum, porque queria apenas prestar um serviço aos demais clientes, avisando-os. "Segurança, retire o senhor da fila, porque ele está atrapalhando a mesma". O referido segurança me pediu mil desculpas, mas precisei sair da fila. Pego o carro no estacionamento e somos assaltados na frente da Telefonica, com um 38 na cabeça.

    Porque conto esse pequeno drama? Porque ao tentar obter novos documentos de identidade no Poupa Tempo, a funcionária, muito gentil (no papo que tivemos lhe perguntei se era a favor das cotas, posto que era de cor preta, ela bateu com as mãos na mesa e me disse, entre indignada e melancólica : "sou contra e digo aos meus filhos que eles devem entrar na universidade pelos seus méritos, como consegui este emprego pelos meus méritos" fecho o parêntesis) a funcionária me diz : "Interessante: consta de sua ficha policial que o senhor foi preso por terrorismo em 1969, no Cenimar e no Dops, depois no Presidio Tiradentes". Eu replico: "não consta na ficha que eu fui julgado e absolvido por uma Junta Militar, na 2° Auditoria Militar de São Paulo, não consta que fui absolvido por absoluta falta de prova e inexistência de crime?". "Não senhor, só consta a sua prisão e os locais onde o senhor esteve preso". De imediato consultei o Dr. Mario Simas, o anjo que nos livrou de coisas terríveis na cadeia. Ele nada podia informar. Me aquietei. Meses depois, vou à livraria Martins Fontes para comprar alguns livros ingleses (ali existem prateleiras bem fornidas de livros de Cambridge e demais). Fiz as compras, paguei com cheque. O funcionário sobe as escadas rumo ao escritório. Demora algo em torno de 40 minutos. Quando volta, diante da bronca que lhe passei, tenho a resposta "é que o senhor foi preso em 1969, com acusação de terrorismo"...Corri até a estante onde estavam expostos livros brasileiros, peguei um volume do meu Caldeirão de Medéia, mostrei a foto na capa ao rapaz : você acha que se eu fosse ladrão, como é a sua suspeita e a de seu patrão, eu escreveria livros com fotos minhas?

    E em outros locais, sempre que apresento a minha identidade, conforme a qualificação do estabelecimento, surge a suspeita, devida à minha ficha.

    Contrato um advogado que, após muitas pesquisas, chegou à seguinte situação: para "limpar a ficha" não basta o Habeas data, é preciso pedir anistia. Entrei com o pedido de anistia. E aguardo os resultados.

    Pergunto: desde o primeiro governo FHC, passando pelo primeiro governo atual (governos de esquerda, segundo os vários gostos, não o meu) até hoje, é certo, é de boa fé manter fichas assim?

    Estou práticamente impedido de sair do país, por um motivo simples: após o 11 de setembro, e após um convenio da policia brasileira com outros países, quando alguém como eu sai do país, sua ficha segue antes dele. Percebem? Imaginem chegar aos EUA ou a outro país onde ocorreram atentados terroristas, com uma ficha de terrorista, sem que os dados da absolvição plena estejam nela contidos.

    Boa fé da esquerda? Me desculpem, mas tudo inclina para o juízo contrário.

    Penso que antes de usar adjetivos contra os que pensam e escrevem de modo diferente do que pensamos ou escrevemos, mais prudente é lutar para que todos os papéis venham a lume, sem comissões de anistia e quejandos.

Um comentário:

Helô disse...

enquanto isso, tem gente "importante", deputado e até um presidente ganhando indenização ad eternum graças à anistia...