Segundo meu ortopedista, tenho artrose nos dois joelhos. Doença da maioria dos velhos e dos jovens que precisam perder peso. Ao redigir a receita, ele recomendou um remédio para "DÔR", assim com o circunflexo antigo, denunciando sua idade.
Lembrei de quando eu era criança e mergulhava na biblioteca da escola, especialmente em Monteiro Lobato. A escola era estadual, meio sucateada, e havia muito que os livros não eram atualizados. Então, a maioria deles era de antes da reforma ortográfica de 1971. Desde pequeno, peguei simpatia por essa medida ortográfica de tempo.
Poucos dias depois da consulta, uma amiga enviou um e-mail à lista da Abraji pedindo o contato de um bom professor de português para orientar a adaptação da editora em que trabalha à nova reforma ortográfica que vem aí. Só então caiu a ficha que minha gramática está prestes a ficar quase tão datada quanto a do ortopedista.
Como eu venho escrevendo pouco em português, profissionalmente, não dei muita bola a essa mudança. Devia. E vale a pena ficar de olho no futuro, porque uma língua subdesenvolvida como o português muda de tempos em tempos: mudou em 1911 em Portugal, mudou em 1943 no Brasil, mudou em 1971 e vai mudar em 2008. Nada impede que mude de novo, mais adiante. Saiba tudo sobre a história das reformas no Granada de Bolso.
O inglês, por exemplo, começou a se estabilizar no século 17, com o surgimento dos dicionários. No século 18, as grafias já estavam estabelecidas. Shakespeare no original soa tão datado quanto um Machado de Assis intocado para nós. Mas Charles Dickens escreve mais parecido com a grafia atual do que Nelson Rodrigues. Até na escrita, estamos constantemente reinventando a roda.
Mas paciência. Para você não soar datado (caso use o trema, por exemplo), leia este breve guia da Veja resumindo as principais mudanças. Pessoalmente, estou imprimindo agora mesmo.
quinta-feira, 26 de junho de 2008
O ortopedista, a ortografia e as medidas de tempo
Postado por Marcelo às 13:02
Marcadores: cultura política, o nó da educação, sociedade da informação
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3 comentários:
Sobre a reforma, olha o que achei em http://cadeorevisor.wordpress.com/
"Também estou arrasada com o fim do trema. O pingüim vai virar o quê, coitadinho? Uma gotícula que caiu…" (Cecilia Barroso)
Fazer o que... Também vou imprimir!
Cheguei um pouco atrasado à conversa. Marcelo, muito graciosa a introdução que vc deu ao assunto (com o "dôr" do doutor), e muito boa essa tirada sobre o pingüim destacada pela helô.
Minha impressão, porém, é que as pessas às vezes dão dimensão excessiva às mudanças. Serão desagradáveis para a gente que aprendeu a escrever com a ortografia "antiga", mas não mais do que isso.
É claro que não é a sua "gramática" que ficará datada, Marcelo — só a grafia de algumas palavras que nós escrevemos (sem impacto algum na gramática). É claro, também, que não foi o português que mudou em 1911, 1943 etc. — foi a grafia. O português, como qualquer língua, muda aos poucos todo dia.
E é claro que a história do pingüim x pinguim é só uma tirada. Ninguém deveria deixar de ler o "u" porque o trema caiu — assim como todo mundo lê "enrôsco" ("Isso está um enrosco") e e "enrósco" ("Eu enrosco meu pé nesse fio toda hora") mesmo que a grafia das duas seja sempre enrosco.
Concordo - tanto que nem dei muita bola até há pouco. Mas o raio é que a gente é quem mais precisa se manter atualizado. Acho que a adaptação deve demorar só um pouco mais do que a gente leva para se adaptar ao horário de verão. Mas sempre corremos o risco da dôr.
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