Pré-campanha é coisa séria - pelo menos nos Estados Unidos.
A eleição por lá é só em novembro, depois da nossa eleição municipal, mas o mundo inteiro vem lendo todos os dias, há quase um ano, sobre as idéias dos pré-candidatos que disputavam a nomeação para se tornarem presidenciáveis pelos principais partidos nos EUA. As nuances das divergências entre as propostas e personalidades de Barack Obama e Hillary Clinton foram o principal foco da cobertura.
Por conta disso e da rejeição à guerra fomentada por George W.Bush, a política de lá ficou pop. Acessível a todos, até no Brasil.
Há quase um ano, eu fazia uma reportagem para o Los Angeles Times no meio da favela de Heliópolis, em São Paulo, quando um dos rapazes com quem conversamos perguntou ao correspondente Reed Johnson o que ele pensava sobre Obama. Reed ficou surpreso com a pergunta. Não imaginava que um dia discutiria a política de seu país no meio de uma favela no Brasil.
Obama tem uma ressonância forte especialmente entre jovens negros com preocupações sociais, ao menos em São Paulo. Na Livraria Cultura, outro dia, vi um rapaz confortavelmente sentado num dos pufes, lendo uma autobiografia do candidato. Pela janela do ônibus, sábado passado, vi outro com uma camiseta que tinha o rosto do candidato emoldurado pelas stars-and-stripes. Foi a primeira vez em que vi no Brasil a bandeira dos EUA sendo exposta politicamente com uma conotação positiva.
Penso melhor com os dedos do que só com a cabeça. Depois de ler um belo artigo do professor Roberto Romano, publicado hoje na Folha, fiquei com coceira de botar umas idéias na tela.
As eleições municipais, que ocorrem no Brasil em outubro, possivelmente afetam muito mais diretamente a vida dos caras de Heliópolis, da livraria e da camiseta. Mas, devido às jabuticabas políticas que só existem no Brasil, há restrições para que a mesma imprensa que cobre avidamente Obama, Hillary e McCain lhes dê a conhecer as idéias dos pré-candidatos de sua cidade. O TSE já derrubou a proibição de publicar entrevistas com eles - por seis votos a um -, mas até semana passada entrevistar os pré-candidatos era equiparado a propaganda política antecipada. Vários meios de comunicação foram multados.
Quanto mais eu acompanho a política do Brasil e do mundo, mais percebo o quanto o ambiente institucional inteiro no país de certa forma força que política seja um assunto de políticos, e não dos cidadãos. E política é algo sério demais para ficar nas mãos apenas dos políticos.
Fala-se em apatia política, e com certeza ela existe. Mas, dependendo do jeito como se vai abordar o fenômeno da política, é possível reduzir a apatia. Em 2006, a Transparência Brasil botou no ar o Excelências, que meus estagiários da época classificavam como "o Orkut dos políticos". Pela primeira vez, informações sobre os antecedentes judiciais dos políticos estavam disponíveis para qualquer um ler. Isso abriu o debate que se viu nas últimas semanas, sobre se a Justiça Eleitoral devia ou não colocar à disposição de todos os antecedentes dos candidatos.
Os políticos sabem uns o que os outros já fizeram. Usam isso nos bastidores. O Judiciário também sabe. Usa quando tem que decidir. Quando se fala que o cidadão precisa saber, aí é que o bicho pega. E depois reclama-se de apatia política.
A instituição da pré-campanha é um ponto interessante de comparação entre os Estados Unidos e o Brasil.
Lá, as propostas são feitas às claras, acompanhadas pela imprensa. É claro que o pré-candidato faz suas propostas com o intuito de se promover, mas com mais tempo de pré-campanha ele pode ser mais questionado e a viabilidade das propostas discutida com mais profundidade. Há uma campanha eleitoral dentro do partido para que os eleitores daquele partido decidam que propostas seus representantes apoiarão. São eles que escolhem os representantes.
Mais do que isso: como uma pré-campanha tem custos, as finanças da política precisam ser abertas. É possível saber quem está bancando as pretensões presidenciais dos candidatos. Dá para acompanhar quase em tempo real:
No Brasil, a pré-campanha é um monstro ignoto. Oficialmente, a campanha só começa em 5 de julho. Só então é que os candidatos podem apresentar suas idéias, certamente com o auxílio de seus marqueteiros. Tudo o que os pré-candidatos recebem e gastam antes desse dia é, na prática, por baixo dos panos - porque, oficialmente, não existe campanha antes de 5 de julho.
O único pré-candidato que abriu parcialmente suas contas de pré-campanha foi o Anthony Garotinho, em 2006. A partir disso, repórteres de O Globo e da Folha de S.Paulo descobriram um engenhoso esquema pelo qual o governo estadual repassava dinheiro a ONGs, que repassavam dinheiro à pré-campanha.
Iniciada em julho, a campanha dura três meses - até o dia da eleição. Pouco tempo para expor e debater idéias. Mas vamos nos ater ao aspecto da grana. Desde 2006, há uma determinação tabajara dizendo que os candidatos podem declarar as contas uma vez em agosto e uma em setembro - CASO QUEIRAM. Como você imagina, muito poucos usaram essa possibilidade, e mesmo os que usaram apresentaram números ridículos. Na semana passada, para estimular que mais gente preste contas, o TSE anunciou mudanças: agora, eles podem prestar só pela internet, sem precisar mandar um CD. Quer apostar como não vai mudar muito?
Por aqui, o que foi mais discutido a respeito de dinheiro e eleições até agora foi a bala-de-prata do financiamento público de campanhas - que, a pretexto de combater o caixa-dois, tornava ilegal o caixa-um. Nada mais, nada menos. Rejeitada a idéia (com bons motivos), nada se debateu a respeito de maior transparência das prestações de contas. E assim passam os anos.
Isso é o melhor exemplo daquele velho ditado segundo o qual, se algo é exclusivo do Brasil e não é jaboticaba, boa coisa não deve ser.
Participação política consciente depende de informação, antes de tudo. Quanto mais informação estiver disponível para o cidadão, mais ele se sente participante da política. O que é danoso é o ambiente institucional jogar a política apenas no colo dos políticos.
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