segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Na dúvida (hic!) proíba-se

Bebe-se no Brasil. Com algum afinco. E também se anuncia bebidas no Brasil. Especialmente no verão. Quem bebe corre o risco de causar acidentes de trânsito, e tá aí a lei seca que não me deixa mentir.

Agora, nossos nobres representantes na Câmara dos Deputados aprovaram um projeto que, em sua avaliação, pode ajudar a resolver parte dos problemas da humanidade. A lei proíbe a publicidade de bebidas alcoólicas no rádio e na TV. Falta ser aprovada no Senado. Conheça aqui o projeto.

É mais um exemplo da lógica do "na dúvida, proíba-se". Mas vale a pena olhar com mais vagar, pois o caso tem ainda mais nuances: a proibição é bem seletiva.

O projeto não proíbe a publicidade de todas as bebidas alcoólicas, diga-se de passagem. É só das mais fortes, aquelas com mais de 13% de teor alcoólico. Aquelas propagandas de auto-ajuda do uísque Johnnie Walker estarão proibidas se o projeto passar no Senado, assim como as da Sagatiba e de Velho Barreiro. Vinho teria que ver caso a caso - alguns chilenos passam de 13%, mas a maioria dos vendidos por aí não passa dos 12,5%.

Assim, foram proibidos na prática apenas 4,3% dos anúncios de bebidas. É mais ou menos o mesmo que nada. Se o Congresso fizesse jus à sua fama arduamente conquistada e simplesmente não tivesse feito lei nenhuma a respeito, o efeito seria mais ou menos o mesmo.

Como é? Explico. Quando você pensa em anúncio de bebida alcoólica na TV, que bebida vem à sua mente? Que bebida usa anúncios mais freqüentes e persuasivos? Que bebida faz guerra com as concorrentes no intervalo comercial? Cerveja, claro.

Aí vem a pegadinha: como cerveja tem em média uns 3,5% de álcool, está excluída da proibição. Na Alemanha, cerveja é considerada um alimento tradicional, por conta dos cereais utilizados em sua fabricação. Aqui, porém, ela fica de fora por não entrar na média de corte. "Especialistas divergem" a respeito da conveniência da publicidade de cerveja, diz uma outra matéria da Agência Câmara. Mas os fundamentos da divergência não são mostrados.

Essa omissão da Agência Câmara complica muito a vida de quem quiser explicar essa distinção para o guardinha que se aproximar da janela de seu castelo de lata com a caneta, o bloquinho e o bafômetro na mão por conta da outra lei do tipo "na dúvida, proíba-se", a lei seca.

(Antes de prosseguir, é mister informar que nada tenho contra cerveja, especialmente se gelada. Mas gosto muito mais de cruzar informações.)

Como tenho orgulho do meu espírito de porco, fui verificar no Ibope como se distribuem os anúncios de bebidas no país. Os dados são de 2006 e 2007 e estão em imagem, então eu os redigitei no Excel para calcular as proporções.

Pelas minhas contas a partir dos dados ali apresentados, as bebidas mais fortes representavam, entre julho e setembro de 2007, 4,3% de todos os anúncios de bebidas. Ou 0,2% de todos os anúncios no Brasil. Isso dá um bolo de R$ 22,3 milhões. Bastante? Pouco?

Os anúncios de cervejas, entre julho e setembro de 2007 - meses de inverno, lembrem, antes das campanhas publicitárias do verão - representavam 52,7% do total dos anúncios de bebidas. Ou 2% do total de anúncios veiculados no Brasil. Num bolo de R$ 276,4 milhões. Bem mais. E está fora do alcance da lei.

As principais anunciantes de bebidas eram a Ambev (Brahma, Antarctica e outras, R$ 154,5 milhões), Kaiser (R$ 99,2 milhões), Coca-Cola (não vem ao caso, por não ter álcool), Schincariol (Nova Schin, R$ 39,3 milhões) e Cervejaria Petrópolis (Itaipava, R$ 32,3 milhões).

Nenhuma delas vende uísque ou cachaça, ao que eu saiba. Mas vale a pena olhar como as cervejarias investiram dinheiro na campanha de 2006. Sempre lembrando que não existe nada intrinsecamente errado em uma empresa financiar uma campanha e declarar, mas vale a pena olhar como os deputados financiados pelas cervejarias votaram o projeto. O dado ainda não está no ar.

A Ambev financiou, com R$ 40 mil, o deputado Sigmaringa Seixas (PT), que não se reelegeu.

A Schincariol do Rio financiou, com R$ 200 mil, os deputados Alexandre Santos (PMDB-RJ) e Virgílio Guimarães (PT-MG).

Um dos CNPJs da Schincariol do Nordeste, no Pará, financiou com R$ 50 mil o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA).

Outro CNPJ da Schincariol, no Ceará, financiou com R$ 50 mil o deputado Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE).

Outro CNPJ da Schincariol, em Pernambuco, financiou em R$ 435 mil os deputados Renildo Calheiros (PC do B-PE), Carlos Eduardo Cadoca (PMDB-PE), Bruno Araújo (PSDB-PE) e Elias Gomes da Silva (PPS-PE). Elias não tem mandato hoje.

O CNPJ baiano da Schincariol financiou em R$ 60 mil os deputados Jorge Khoury (DEM-BA) e Sérgio Brito (PDT-BA).

A Cervejaria Petrópolis financiou em R$ 30 mil os deputados Oswaldo Dias (PT-SP), Vicentinho (PT-SP) e Jamil Murad (PC do B-SP). Oswaldo não tem mandato hoje. Nem Murad.

Um comentário:

Altavolt disse...

É, meu caro Marcelo, nós dois não nos manteríamos em cargos executivos por muito tempo. Ou sofreríamos o impeachment ou seríamos mortos. Obrigado por sua colaboração e informações adicionais muito pertinentes. Quanto às bebidas, proiba-se todas as propagandas, até as da cerveja. Mal não vai fazer a ninguém e pode ajudar a diminuir o número de futuros alcoólatras. abraço!