Identifiquei o que tanto me incomoda no jornalismo online conforme atualmente praticado no Brasil: é o fato de ele entregar uma avalanche de produtos intermediários como notícia. Por produtos intermediários, quero dizer releases, pautas, retornos, fragmentos de notícia (essa aí é uma de quatro matérias enviadas pelo feed sobre a mesma pesquisa) e informações de interesse muito localizado. Todos os exemplos são do feed do O Globo, que me trouxe 120 notícias entre ontem à noite, quando desliguei o computador, e as duas da tarde de hoje. Nesse feed não tinha, mas outros têm, aspas isoladas repercutindo um assunto maior.
Parece-me o império dos produtos intermediários. No dia seguinte, os jornais vão basicamente diagramar uma versão um pouco mais editada desses produtos intermediários. Mas essa edição ainda refina muito pouco esse noticiário pra me fazer achar que vale a pena pagar por isso. Tanto esforço me parece ser empreendido na entrega desses produtos intermediários, e numa freqüência tão brutal, que faltam recursos humanos (braços e cabeças) para fazer um produto final mais apurado.
Isso me levou há poucos dias a cancelar minha assinatura de um jornal "generalista" diário, o Estadão. Mantive só a do Valor, que é especializado. Tudo o que saía no Estadão eu lia na internet antes, até porque vários dos portais já reproduziram ao longo do dia os textos da Agência Estado. Perco o material exclusivo, claro. Mas é tão pouco que me parece nem valer a pena pagar a assinatura. Ele será reproduzido depois na internet, mesmo.
Nos últimos dias, andei lendo alguns textos interessantes sobre mudanças no papel dos jornais, se é que eles pretendem ter algum futuro. Compartilho o filé deles.
1) Josh Korr, do Innovation 2.0, fez uma interessante provocação em seu blog. Segundo ele, em um momento de excesso de informação circulando, abster-se de publicar matérias tapa-buraco, concentrando-se em material exclusivo, é uma forma de inovar.
- Filler news can take many forms. Jarvis singles out reporting on election and post-holiday-shopping days. John McIntyre flags another persistent form of filler — stories based on dubious surveys — in this post. Jack Shafer never tires of exposing bogus trend pieces.
I would add: many stories based on (or directly lifted from) press releases; one-sentence news like stock market updates, shuttle takeoffs, and incremental updates of previous stories; many politics-as-process stories. Even “important” news can become filler. Crime briefs become monotonous after so many days; the fifth front-page story on the Russia-Georgia conflict isn’t likely to resonate.
Most of these story approaches are so ingrained that it’ll take conscious effort to stop and come up with more effective alternatives. But it can be done.
2) Com a economia complicada nos EUA, várias publicações estão reduzindo por lá sua freqüência de publicação em papel - o mais caro dos insumos. O Christian Science Monitor foca na Web e publica em papel uma vez por semana. A US News and World Report passa de semanal a quinzenal. O Independent, de Londres, mudou-se para o prédio do Daily Mail e pode passar a ser apenas online. Relatório da empresa de auditoria Deloitte, noticiado pelo Financial Times, aponta a possibilidade de 10% das publicações dos EUA irem por esse caminho em 2009. O problema:
- "Not even the most successful online newspaper and magazine sites generate sufficient profit to offset declining margin from print versions," the report says.
3) Apresentação de Matt Thompson para a Society of Professional Journalists sugere "contar histórias maiores", ao invés de simplesmente contar mais histórias. Alguns slides-chave:
- This is a key premise: if you take nothing else away from this talk, understand this
(SLIDE) We have already shifted from a state of information scarcity to information overload
Today’s journalism is STILL structured around information scarcity
We talk about “filling the news hole”
Broadcasters talk about “localizing” news stories
(Not meant in the sense of making a national story more relevant to a local constituency, but essentially repeating a news story done elsewhere on a local scale)
(SLIDE) One of the biggest organizing principles behind journalism as it’s practised today is TELLING MORE STORIES
We don’t actually NEED more stories
We don’t need journalists to tell us what happened at the city council meeting
We don’t need journalists to tell us the story of last night’s game
We don’t need journalists to speculate on who Obama’s cabinet is going to be
(SLIDE) What we NEED is LARGER STORIES
We need someone to tell us what last night’s city council meeting means for us
Or what last night’s game means for our team
Or what Obama’s cabinet choices mean for our country
For the past however-many decades, our goal has been to find more things each day for everybody to worry about
When I load up a news website, or watch a broadcast, more often than not what I see is news - a new headline, a new phenomenon, a new crime or crash or spectacle
This is actually debilitating
The net effect is that whenever I encounter “the news” these days, I feel LESS informed, not MORE so
Ao que me parece, a soma da cultura da escassez, tradicional no jornalismo, com a necessidade de notícias segundo-a-segundo, tradicional no jornalismo online, é o que leva ao churnalismo. E a notícias irrelevantes como "Madonna aparece na janela do hotel" (relevante pra quem está lá na frente), "Abertas as portas para o show da Madonna" (relevante pra quem está na fila), "Prefeitura desvia tráfego em Ipanema por causa de buraco de rua" (relevante pra quem está lá) e outras tantas.
Ao que me parece, vai levar muito tempo até que isso seja equacionado. Até porque apenas a concorrência pode fazer isso, e hoje a concorrência é pra ver quem dá mais notícias. Mesmo que sejam cópias de releases, chupação de notícias dos outros e pautas e retornos publicados na íntegra.
Ao que me parece, vou continuar me irritando com o noticiário por muito tempo.
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