(Atenção: este post foi originalmente publicado no meu blog de dicas de pesquisa, o Dicas de um Fuçador. Dê uma passadinha lá!)
O jornalista Steve Doig, discípulo de Philip Meyer, aposta: vai ser uma loucura a quantidade de chutatísticas divergentes sobre a multidão que vai assistir à posse do Obama. Não por ser a posse do Obama, mas porque os números sempre são usados como arma para demonstrar força política. É assim lá, é assim aqui.
Nisso, que se dane a precisão. Os organizadores sabem que os jornalistas adoram números mas têm sérios problemas com a maldita matemática, então a gente entra na dança. Os mais cuidadosos costumam apresentar as estimativas dos organizadores lado a lado com as da polícia. Na mais comum, só pegam as estimativas de um dos lados. Mas dá pra medir, sim - embora seja mais trabalhoso. Nos anos 80, especialmente a partir dos comícios pelas Diretas na Praça da Sé, a Folha consagrou a técnica de pegar uma foto aérea, calcular a área e multiplicar: caberia algo entre 4 e 6 pessoas por metro quadrado.
Em artigo para a MSNBC, Doig sugere metodologia parecida e conta a origem dela:
- O método vem do final dos anos 60 e de um professor de jornalismo da Universidade de Califórnia em Berkeley chamado Herbert Jacobs, cujo gabinete ficava numa torre de onde se via a praça onde os estudantes freqüentemente se reuniam para protestar contra a guerra do Vietnã. A praça era marcada com linhas cruzadas regulares, o que permitiu a Jacobs ver quantos quadrados eram preenchidos pelos estudantes e quantos estudantes, em média, se aglomeravam na área.
Após reunir dados de numerosas amostras, Jacobs criou alguns macetes que ainda são usados hoje por quem leva a sério a estimativa de multidões. Uma multidão mais solta, em que cada pessoa está à distância de um braço do corpo de seus vizinhos mais próximos, precisa de quase um metro quadrado por pessoa. Uma multidão mais aglomerada ocupa 0,42 metro quadrado por pessoa. Uma turba realmente assustadora com densidade de mosh-pit daria 0,23 metro quadrado por pessoa.
O truque, então, é medir adequadamente os metros quadrados totais da área ocupada pela multidão e dividi-los pelo número apropriado, dependendo da avaliação sobre a densidade da multidão. Graças a fotos aéreas ou aplicativos de mapeamento como o Google Earth, até áreas abertas podem ser prontamente medidas atualmente.
Quando era ombudsman da Folha, mestre Mário Magalhães observou o quanto as medidas da multidão eram usadas pra puxar a brasa para assados militantes. A Parada Gay daquele ano orgulhava-se de 3,5 milhões de participantes. Magalhães lembrou que, no maior fora-Collor da história, em 18 de setembro de 1992, os organizadores falavam em 1 milhão de participantes, a polícia falava em 650 mil e a medição por foto aérea, feita pelo DataFolha, cravava 70 mil. Mário fez as contas: caso os números dos organizadores, apurados sabe-se lá com que metodologia, estivessem corretos, a multidão da parada gay seria "equivalente a 50 atos como o do auge dos caras-pintadas".
Para não dar muito erro amanhã, Doig dá algumas dicas:
- Se o pessoal se amontoar nos 0,33 quilômetros quadrados do National Mall entre as ruas 1 e 14 Noroeste em apertados meio metro quadrado por pessoa, cerca de 700 mil poderiam se enfiar lá. A área aberta em torno do Monumento a Washington, entre as avenidas Constitution e Independence, até a 17 Noroeste, podem acomodar outros 700 mil na mesma densidade. E, presumindo que uma multidão mais solta longe da posse vá ficar nos degraus do Capitólio, talvez mais um meio milhão possa estar circulando pela área do Mall defronte ao Memorial Lincoln.
Assim, é pelo menos fisicamente possível acomodar algo próximo a 2 milhões de americanos na faixa de 3,4 quilômetros entre os degraus do Capitólio e os pés de Lincoln. Graças às espantosas realidades logísticas para hospedar, alimentar e transportar uma multidão de visitantes que quadruplicariam a população do distrito, há boas chances de que a multidão real será menor do que isso. Apenas fotos aéreas pós-posse poderão nos dizer ao certo.
Doig também lembra que a inflação das multidões também se presta à criação de mitos. "Um dia, tanta gente vai dizer que esteve na multidão que testemunhou a posse de Barack Obama quantos os que dizem hoje que ouviram o Jimi Hendrix tocar em Woodstock há 40 anos. As pessoas adoram se gabar de terem sido testemunhas da história - mesmo quando não foram."
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