sexta-feira, 20 de março de 2009

O Senado é um Fusca com preço de Ferrari

A Folha de S.Paulo publica a lista dos 50 diretores do Senado que perderam os benefícios depois que ficou feio. A economia com isso, de R$ 400 mil ao mês, equivale a R$ 4,8 milhões em um ano. E ainda é pouco. Ainda tem 131 diretores, e eu duvido que precise tanto. Se duvidar, deve ter diretor até encarregado da coordenação dos ascensoristas ou da troca dos rolos de papel higiênico no banheiro.

O orçamento do Senado é fabuloso: em 2007, era de R$ 2,6 bilhões. Proporcionalmente pela quantidade de membros, era mais suntuoso que o dos Estados Unidos (leia aqui o estudo que coordenei na Transparência Brasil na época). Neste ano, o orçamento é de R$ 2,8 bilhões. A maior parte dele, R$ 2,3 bilhões, vai para a folha de pagamento, segundo o Contas Abertas.

Em 2007, pouco antes de eu deixar a Transparência Brasil, propus ao diretor da entidade uma comparação que até hoje me orgulha: "Um Senado de Fuscas ao preço de Ferraris". Na época, o escândalo da vez era outro - e seu personagem principal já voltou a ser considerado um nobre líder partidário, um corretor de poder nessa briga toda. But I digress. O artigo dele a respeito dizia o seguinte:

    Imagine o eventual leitor que adquira um Porsche. Suponha que a assistência técnica passe mais de um mês se esquivando de verificar se o ruído estranho que se ouve no motor é sinal de algo grave. Perante tal comportamento, o leitor possivelmente recorrerá aos órgãos de defesa do consumidor.

    Já quando se trata da vida política, o eleitor não conta com tal possibilidade. Não raro, o "produto" que seu voto engendrou se comporta como um Fusca 1955 com motor fundido. É assim, como um ferro-velho, que o Senado Federal vem se comportando no episódio Renan Calheiros. O pior é que estamos pagando preços de Ferrari pelos Fuscas, Gordinis e Simcas que em grande proporção habitam aquela Casa.

    Levantamento recente da Transparência Brasil demonstra que o Senado é a Casa legislativa mais cara por membro entre 12 países pesquisados: a manutenção do Senado custa R$ 33,1 milhões por mandato de seus 81 integrantes. Esse dinheiro não vai todo diretamente para cada senador, mas paga uma estrutura que inclui funcionários, gráfica, TV, rádio, jornal e outros serviços basicamente voltados para a autopromoção de senadores.

    Isso dá mais do que o dobro do que os Estados Unidos gastam por mandato parlamentar federal. Ao todo, o Senado brasileiro custa quase o dobro do orçamento previsto neste ano para as duas Casas do parlamento britânico, mesmo com todas as diferenças de riqueza entre o Brasil e o Reino Unido.

    Embora custe mais caro que todos os parlamentos do Primeiro Mundo, talvez os serviços que as Casas legislativas brasileiras prestam sejam equivalentemente mais substanciais e relevantes. Talvez os R$ 33 milhões que pagamos por mandato senatorial valham a pena e recebamos de volta um desempenho espetacularmente notável. Mas será mesmo?

    A demora em investigar as suspeitas que recaem sobre o presidente da Casa, Renan Calheiros, e a renitência que este manifesta ao se manter na Presidência da Casa demonstram que o Senado brasileiro presta aos cidadãos brasileiros uma representação de quinto mundo. Certamente não é por falta de recursos financeiros que o Senado deixa acumular, sem averiguação, indícios de que o seu presidente esteve envolvido em práticas escusas.

A situação não melhorou muito desde então. Os Fuscas continuam saindo a preço de Ferrari.

Mas, na verdade, melhorou, sim. Em um sentido: desde aquele estudo, a gente sabe cada vez melhor o tamanho do prejuízo.

5 comentários:

Anônimo disse...

não que justifique, mas ao menos sabemos onde o nosso dinheiro está sendo esbanjado, já com os cartões corporativos, os gastos aumentaram este ano e não podemos saber precisamente em que.

Marcelo disse...

Na verdade, com todos os seus problemas, os cartões corporativos são mais transparentes do que o Senado. A maior parte dos gastos com eles pode ser conferida no Portal da Transparência do governo federal. Claro que há os gastos secretos, e esses são preocupantes, mas pelo menos é possível saber o tamanho desses gastos opacos. No Senado, por sua vez, pouquíssimos gastos são discriminados. Veja que eles só descobriram que tinham 181 diretores pouco antes de resolver cortar alguns.

Altavolt disse...

De qualquer maneira, acho que uma distorção não pode justificar a outra. Precisamos erradicá-las da vida pública. Afora os valores envolvidos, não existe, no meu entender, a improbidade mais ou menos prejudicial. Ou as posturas são legais e éticas ou não. Não há ninguém meio honesto.

Marcelo disse...

Claro que uma distorção não justifica a outra. Isso pra mim é um princípio tão básico que nem julguei preciso levantar.

Acho que discutir isso pelo aspecto moral não avança muito. Todo mundo concorda que é errado e feio. Inclusive quem faz trampolinagens com dinheiro público adora esse discurso do ponto de vista moral, porque é fácil. Veja no caso do Senado: todos sempre souberam da casa do Agaciel e da quantidade absurda de diretorias. Só ficou feio, do ponto de vista moral, depois que apareceu. Aí todos eles são contra e ninguém sabia.

Fácil, fácil. Difícil mesmo é abrir informações para eu e você sabermos exatamente o que eles fazem.

O aspecto que me parece mais produtivo, sempre, é o do controle público do gasto de dinheiro público. Nesse sentido, quanto mais transparência, melhor. Quanto mais acesso eu e você tivermos aos detalhes de como o dinheiro público é gasto, melhor podemos constranger os que usam errado.

No caso do Senado, esses detalhes são muito opacos.

No caso dos cartões, parte desses detalhes pode ser consultada - e foi por isso que a história das tapiocas apareceu, por exemplo. Ainda tem muito gasto sigiloso. Mas com os que aparecem já é possível identificar e coibir alguns maus usos.

A questão é abrir cada vez mais detalhes para eu e você podermos saber o que nossos representantes, que ganharam um cheque em branco na urna, fazem com o dinheiro público.

Altavolt disse...

Claro, Marcelo, há que se tomar medidas práticas para o controle dos gastos públicos. Concordo profundamente com vc sobre a total transparência das despesas e com a possibilidade de podermos acompanhar tudo muito de perto. Não adianta ficarmos pregando a ética e a honestidade e não fazermos nada de concreto para reduzir as safadezas e os desmandos com o dinheiro público. Parabéns pela sua luta para manter seus leitores esclarecidos. Na verdade, eu discordei do comentário do "posturaativa", que foi pelo caminho da comparação. Abraço.