domingo, 28 de outubro de 2007

Armínio e o dólar cadente

Armínio Fraga, o último presidente do Banco Central do governo FHC e clone de William Shakespeare, é um homem inteligente e conhece muito sobre economia. Nesta entrevista ao Estadão, porém, elimina alguns fatores importantes de uma questão importante. Questionado sobre a valorização do real em relação ao dólar, afirmou:

    O câmbio tem sido empurrado para baixo por uma série fatores: um saldo positivo, embora decrescente, na conta corrente; e um saldo positivo na conta de capital, que inclui recordes de investimento direto e esses números extraordinários na Bolsa, onde três quartos dos lançamentos de ações são adquiridos por estrangeiros. O terceiro fator é uma taxa de juros que, embora tenha caído pela metade, ainda é relativamente alta em relação ao resto do mundo. Então são três variáveis empurrando o câmbio para baixo. O que dá uma certa tranqüilidade é que o câmbio é flutuante, então se por acaso as condições globais mudarem, se o saldo em conta corrente cair mais do que se espera, muito provavelmente o câmbio vai se depreciar. Não é um fator, a meu ver, de risco. O Banco Central, além disso, tem procurado suavizar esta valorização, acumulando quase US$ 170 bilhões em reservas, e é difícil prever até onde isso vai.

Simplificando o economês: para Fraga, o dólar está caindo por causa do aumento da participação de estrangeiros na economia brasileira, dos juros ainda altos praticados no Brasil e da grande quantidade de recursos estrangeiros no país. Todos eles, fatores internos, relacionados à política econômica.

Ocorre, porém, que só o cenário brasileiro não explica isso. Quem lê o noticiário econômico estrangeiro, ainda que superficialmente, sabe: o que Fraga deixou de lado foi o fato de que o dólar está se desvalorizando no mundo inteiro.

Nos últimos meses, a moeda dos Estados Unidos atingiu seu menor valor em relação ao euro, à libra, ao iene, ao dólar australiano (na maior queda em 23 anos), ao dólar canadense (pela primeira vez desde 1976) e ao ouro. No Brasil, atingiu o menor valor em sete anos e meio. E a tendência é cair mais: o próprio FMI acredita que o dólar está supervalorizado.

Seria ingenuidade imaginar que Fraga, um homem que implantou a base do regime cambial atual do Brasil, ignorasse tudo isso.

Não tenho suficiente conhecimento de economia para saber o motivo das quedas. Nesta semana, saiu uma reportagem no Wall Street Journal a respeito, mas não tinha a senha para ler. O fato é que não é apenas no Brasil que o dólar está caindo, e portanto não se pode explicar a queda só pelos fatores locais.

Fraga não está sozinho nesse tipo de avaliação. Todas as análises que lemos nos jornais brasileiros mencionam os mesmos fatores internos como causas da baixa. Geralmente, os analistas ouvidos pela imprensa brasileira são também operadores - tal como Fraga o é hoje. Têm interesses em jogo. O papel do jornalismo de qualidade é exatamente filtrar esses interesses usando informações.

Na dúvida, leve em conta acima de tudo a última parte da declaração de Fraga: "é difícil prever até onde isso vai".

4 comentários:

Anônimo disse...

Atrás do espelho Uncle Sam diz:
"I want you!!"
...e eu com isso?...

Marcelo disse...

Olhe bem seu rosto no espelho e reflita antes de pensar em atender a qualquer chamado - seja do Tio Sam ou de quem mais for.

Anônimo disse...

Acontece que o câmbio no Brasil está mais valorizado que a média dos outros países. Muito mais! O real esta entre as moedas que mais se valorizaram no mundo! Então passa a ser conveniente, sim, citar as variáveis internas na avaliação que tenta explicar os motivos da valorização do real.

Marcelo disse...

As variáveis internas são obviamente importantes. Mas por si não explicam o fenômeno todo, quer-me parecer pelo muito pouco que eu entendo de economia. Há coisas fortes puxando o dólar pra baixo no mundo inteiro.