Um assessor de imprensa de um senador envolvido em uma bola de neve de escândalos durante cinco meses renuncia ao seu cargo e anuncia que vai assumir a coluna de notas políticas de um jornal outrora importantíssimo. Sem sequer uma quarentena.
Um órgão público importante, mas repleto de problemas estruturais, cria um prêmio de jornalismo para promover reportagens "positivas" sobre sua atuação.
Sinceramente, eu me preocupo com pra que lado vai o jornalismo no Brasil.
O Brasil é um dos únicos países em que assessoria de imprensa é uma atividade considerada própria a jornalistas. Por aqui, considera-se perfeitamente normal que profissionais do jornalismo sejam contratados por fontes para divulgar notícias positivas e afastar notícias potencialmente negativas.
Quem mais defende isso são os sindicatos de jornalistas. As assessorias são as maiores empregadoras de jornalistas no Brasil. Há cinco anos, ouvi o número de 60% dos formados em jornalismo trabalhando fora de redações. Como o diploma é obrigatório, para os sindicatos é interessante que todos sejam igualmente considerados jornalistas. A esmagadora maioria dos seus filiados está fora das redações.
Aqui, não existe a figura do "ex-jornalista". Mesmo quem é formado em jornalismo e se afasta para ser dono de um próspero negócio de lanches, num exemplo hipotético, continua se apresentando como jornalista.
Em outros países, lapidar a versão das fontes é uma atividade de relações públicas. Nobre quando feita com competência, mas diferente de jornalismo. Já vi chamarem esse tipo de observação de purismo americanófilo da minha parte. Mas compare a qualidade dos jornais do primeiro mundo com a dos jornais daqui. No Brasil temos um punhado de jornais bastante bons, mas nenhum deles é um New York Times ou um The Guardian. Esse nível de qualidade é em parte conseqüência desse purismo.
São essas assessorias que descobrem idéias geniais como a da criação de prêmios de jornalismo. Quem não gosta de ganhar um prêmio?
No ano passado, fiz um rápido levantamento sobre todos os prêmios então existentes no Brasil. Em duas horas de pesquisa, encontrei 109. Deve haver muito mais.
A maior parte desses prêmios, concedida por empresas, órgãos públicos e entidades de classe, visa incentivar jornalistas interessados em ganhar prêmios a escrever reportagens positivas sobre o assunto de interesse de quem o concede. Ou seja: a trabalhar como se fosse um assessor de imprensa infiltrado na redação.
Em Porto Alegre, em fevereiro, sempre há uma grande liquidação em todas as lojas da cidade (ou havia, sei lá). Ao final dela, prêmios são dados aos jornalistas que se destacam na cobertura. Duvido que eles fossem premiar, por exemplo, algum jornalista que eventualmente fizesse uma hipotética matéria mostrando que no final de janeiro os preços são aumentados para depois criar-se descontos em fevereiro.
No Nordeste, um banco federal criou um prêmio para matérias sobre o "crédito como indutor do desenvolvimento do Nordeste do Brasil". Seria premiada alguma matéria sobre o mau uso do crédito para desenvolvimento? Não sei, nunca olhei.
São dias interessantes para essa profissão que inventei de ter.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
Brave new world
Postado por Marcelo às 09:31
Marcadores: das assessorias, jornalismo, sociedade do espetáculo
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