Qualquer produto escasso e com demanda cria mercados paralelos arbitrados de maneira não muito republicana. Pense na Lei Seca norte-americana: vender bebida alcoólica era proibido, mas ainda assim havia muitos americanos que desejavam um trago. Quem ganhou com isso? Al Capone, que fabricava e vendia bebida. Como efeito colateral, defendia seu mercado com violência, já que não existe direito do consumidor num mercado subterrâneo.
Informação pública também é um mercado interessante de olhar sob essa ótica.
Pense por exemplo na nunca assaz lembrada questão das verbas indenizatórias. Elas são aquele dinheirinho modesto, apenas R$ 15 mil, a que cada parlamentar tem direito todo mês para custear os gastos de seu gabinete: combustível, eventual aluguel de um escritório político na base, material de escritório, etc. Para receber o reembolso desses gastos, eles precisam apresentar notas fiscais.
Em 2003, a Folha de S.Paulo processou a Câmara dos Deputados em busca de acesso aos dados de como suas excelências gastam esse dinheiro. Ganhou, mas a Câmara recorreu. O resultado: a Casa passou a divulgar mês a mês quanto os deputados gastam em cada rubrica, mas não para quem foi pago o dinheiro. De qualquer forma, foi um avanço. Permitiu, por exemplo, ver quantas viagens entre a Terra e a Lua nossos representantes podiam dar com a gasolina que gastavam. Você pode consultar as verbas neste endereço.
No ano passado, o uso e análise desses dados foi um dos pontos altos do Projeto Excelências, da Transparência Brasil.
Em comparação, o Senado não divulga absolutamente nada do que gasta com verbas indenizatórias. Mas todos os senadores têm direito a elas. Essa opacidade tem duas conseqüências, conforme demonstradas nos últimos meses com a bola de neve de escândalos gerados a partir da revelação de que um lobista entregava pagamentos mensais à coelhinha da Playboy que teve uma filha com o presidente do Senado, Renan Calheiros:
1) Para justificar que tinha renda suficiente para pagar pensão à gestante, Renan incluiu as verbas indenizatórias de seu gabinete em sua declaração de renda. Isso dá a impressão de apropriação de recursos públicos.
2) Hoje, o Estadão revela que Renan solicitou à Mesa do Senado - que ele preside - informações detalhadas sobre os gastos de cada um dos 81 senadores com verbas indenizatórias, com o objetivo não declarado de nelas catar piolhos politicamente úteis.
Caso os gastos com verbas indenizatórias no Senado fossem feitos às claras, qualquer eleitor poderia cobrar compostura do representante de seu estado. Na opacidade, qualquer senador pode embolsar o dinheiro e qualquer presidente do Senado pode usar o conhecimento sobre isso para chantagear colegas incômodos.
Sobre a bola de neve de escândalos de Renan, leia este excelente artigo de Dora Kramer, publicado também pelo Estadão.
Eu não resisto
Outras informações de posse de Renan se tornaram transparentes - como, por exemplo, os motivos que levam um cidadão casado e com certa reputação a zelar a arranjar uma filha fora do casamento. Viraram sucesso de vendas na banca do Congresso, hoje.
terça-feira, 9 de outubro de 2007
Capone, Calheiros e um mercado
Postado por Marcelo às 12:14
Marcadores: casa do entendimento, cultura política, direito de acesso, gente que não presta, sociedade da informação
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