O governo do Reino Unido fez algo bastante incomum entre governos de toda sorte: anunciou a ampliação do acesso público a documentos governamentais.
A lei que garante o direito de acesso a informações públicas já está em vigor na Grã-Bretanha desde 2005, mas tem algumas falhas. Entre elas, o fato de cada vez mais repartições públicas terceirizarem serviços para entidades privadas - o que sai fora do guarda-chuva da lei.
Segundo o Guardian, a intenção do primeiro-ministro Gordon Brown é sinalizar que o compromisso com a transparência dos atos públicos será uma marca de seu governo.
Essa declaração de compromisso está expressa no discurso dado hoje por Gordon Brown sobre a proposta de Constituição inglesa.
A tônica do discurso foi o respeito à liberdade. Lá pelas tantas, vinha este trecho:
- "Como a liberdade não pode florescer na escuridão, nossos direitos e liberdades são protegidos pela luz do escrutínio público, tanto quanto pelas decisões do Parlamento ou de juízes independentes.
Assim, é claro que para proteger a liberdade individual devemos ter o mais livre fluxo de informação possível entre o governo e o povo.
Nos últimos dez anos, na Grã-Bretanha, criamos um novo quadro legislativo que exige a transparência e a abertura nas relações do Estado com o público.
O Ato de Liberdade de Informação foi uma peça legislativa fundamental, entronizando pela primeira vez em nossas leis o direito do público a ter acesso a informações.
A liberdade de informação pode ser inconveniente, às vezes frustrante e sem dúvida embaraçosa para os governos. Mas a liberdade de informação é o caminho certo, porque o governo pertence ao povo, e não aos políticos.
Creio agora que há muito que podemos fazer para mudar a cultura e os procedimentos do governo para torná-lo mais aberto - embora, é claro, continuemos a manter salvaguardas em áreas como a segurança nacional.
(...) A informação pública não pertence ao governo, e sim ao público em cujo nome se governa. Sempre que possível, esse deve ser o princípio basilar por trás da implementação de nosso Ato de Liberdade de Informação. Então, também é correto considerar a extensão da cobertura da informação pública e do Ato.
Assim, estamos publicando hoje um documento de consulta para considerar se outras organizações a cargo de funções públicas - incluindo em alguns casos empresas do setor privado que prestam serviços pelo setor público - deveriam ser incluídas na legislação de liberdade de informação.
A liberdade de informação não trata apenas de discussões correntes dentro do governo, mas das restrições que colocamos sobre a publicação de documentos históricos.
É uma ironia que informações passíveis de serem liberadas a pedido sobre eventos atuais e decisões correntes ainda estejam ocultas, de fato, para eventos e decisões semelhantes que ocorreram há 20 ou 25 anos.
Atualmente, os registros históricos são transferidos para os arquivos nacionais e apenas abertos ao acesso do público depois de trinta anos ou quando explicitamente exigido pela legislação.
É tempo de considerar novamente sobre se os registros históricos podem ser tornados disponíveis à inspeção pública com muito mais rapidez do que pelos procedimentos atuais."
Aqui há um ponto importante. No Reino Unido, a demanda por informação pública é principalmente sobre informação corrente, para fiscalizar o governo. Com isso, grupos como o Taxpayers' Alliance podem levantar os lugares onde os prefeitos mais ganham dinheiro e fazer protestos como este:
Atravessemos o oceano de volta para o Brasil.
Aqui, quando se fala em acesso a documentos, a referência mais próxima são os documentos históricos - os documentos da ditadura, que revelariam em que circunstâncias militantes políticos foram mortos nos porões e selvas do regime militar. Dificilmente alguém fala sobre as informações sobre decisões correntes de governos. É o oposto da situação exposta por Gordon Brown.
Mais ainda: ao contrário do Reino Unido, o Brasil não dispõe de uma lei que garanta o acesso dos cidadãos a informações públicas.
No ano passado, nos últimos dias da campanha eleitoral, o presidente Lula respondeu da seguinte forma a uma consulta da Folha de S.Paulo sobre o que faria a respeito do direito de acesso a informações públicas:
- Já temos um anteprojeto dessa lei elaborado pela CGU e em discussão no Conselho da Transparência, órgão que reúne governo e sociedade. Em seguida o projeto será levado à consulta pública e eu pretendo enviá-lo ao Congresso no próximo ano, se reeleito, atendendo também a um pedido das entidades que integram o Fórum de Direito à Informação. Veja que, com isso, estamos regulamentando um inciso do artigo 5º da Constituição de 1988, para preencher mais uma lacuna deixada pelos que me antecederam.
O presidente já foi reeleito. Tomou sua segunda posse há dez meses. Mas, faltando dois meses para o fim do que era o próximo ano quando deu a resposta, o projeto ainda não foi enviado ao Congresso. Em agosto, o Correio Braziliense publicou uma reportagem interessante sobre o assunto.
Sabem o que o governo disse, quando questionado pelo jornal? Que a Casa Civil sequer sabia da existência de projeto sobre o tema. Apenas uma "discussão informal".
Eu sei que o projeto existe - até já li. O presidente mencionou o projeto quando era candidato. A CGU diz que está em "etapa anterior à consulta pública". Mas como raios o governo não o reconhece, se o próprio Lula já o mencionou? Ou, arriscando uma pergunta retórica, só valia como promessa de campanha?
No mundo inteiro, 68 países já têm leis que garantem o direito de acesso a informações públicas. Na África, o Zimbábue já tem sua lei e a Nigéria está avançando na implantação.
No Brasil, o direito de acesso a informações públicas ainda é um ilustre desconhecido. É ou não é um oceano de distância?
4 comentários:
Simplesmente me pergunto se o Grotão é de fato um Estado de Direito.
Gostei do novo blog, já vai para os links.
Abraço
Eu também. Muitas vezes. Seja bem-vindo, mestre, e grato pela cortesia!
Marcelo, tenho acompanhado seu blog com muito gosto. Como leitor, lhe agradeço pelo bom trabalho.
Um abraço.
Imensamente grato, Caio!
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