O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin teve na semana passada recomendada a rejeição das contas de sua candidatura presidencial de 2006. Uma das irregularidades constatadas: sua campanha gastou R$ 199,5 mil antes de abrir a conta oficial.
O noticiário a respeito não apurou, mas a boa lógica sugere que, como a conta oficial só pode ser aberta depois que a candidatura foi oficializada (depois de 5 de julho em cada ano eleitoral), esses gastos possivelmente se referem ao período anterior à campanha. Nesse período, o então pré-candidato viajou por boa parte do Brasil se apresentando ao distinto público.
É claro que o tucano não foi o único a fazer viagens pré-campanha. O presidente Lula viajou pelo Brasil todo também, declaradamente em missão oficial de inauguração de obras públicas - inclusive várias sequer iniciadas, lembram?
Acompanhei numa planilha as viagens dos dois, no ano passado, até certo ponto. As de Alckmin, pelo noticiário, até 19 de maio. As de Lula, registradas no site da Presidência, até 26 de junho. Em cinco meses, Alckmin visitou 15 estados. Em seis meses, Lula visitou 21.
Como a lei eleitoral só reconhece gastos de campanha feitos após a oficialização, isso cai na zona nebulosa.
No Brasil, não é preciso e nem possível declarar a arrecadação de fundos para pré-candidaturas. A pré-candidatura é uma condição completamente desconhecida pela lei eleitoral. Mas, ainda assim, os aspirantes a candidaturas fazem viagens, apertam mãos, beijam crianças etc. Isso custa dinheiro, mas ninguém declara. De algum lugar saiu o dinheiro.
(No caso das viagens de Alckmin, parte teria saído do Fundo Partidário, segundo O Globo. No caso de Lula, você e eu ajudamos involuntariamente.)
O único pré-candidato que abriu parcialmente suas contas de campanha nas eleições de 2006 foi Anthony Garotinho, no ano passado. A partir disso, repórteres de O Globo e da Folha de S.Paulo descobriram um engenhoso esquema pelo qual o governo estadual repassava dinheiro a ONGs, que repassavam dinheiro à pré-campanha. Isso levou o pré-candidato a fazer greve de fome e perder, além de sete quilos, a candidatura.
Mais ainda: no Brasil, a contabilidade oficial da campanha oficial só é declarada depois do final, e não em tempo real. No ano passado, houve uma determinação tabajara dizendo que os candidatos podiam declarar as contas uma vez em agosto e uma em setembro - se quisessem. Muito poucos usaram essa possibilidade, e mesmo os que usaram apresentaram números ridículos. Se comparar a soma das duas liberações com o número final, parece que foi só no último mês de campanha que muitos candidatos de fato levantaram dinheiro.
Por aqui, a única coisa discutida a respeito de dinheiro e eleições foi a bala-de-prata do financiamento público de campanhas - que, a pretexto de combater o caixa-dois, tornava ilegal o caixa-um. Nada mais, nada menos. Rejeitada a idéia (com bons motivos), nada se debateu a respeito de maior transparência das prestações de contas. E assim passam os anos.
Noutros países, isso não é assim.
Está pegando fogo a pré-campanha presidencial nos Estados Unidos. Os pré-candidatos de cada partido disputam palmo a palmo o financiamento de campanha. As contas são públicas desde o começo, e pela lei americana é possível saber quase em tempo real quanto dinheiro cada pré-candidato levantou. Esta é a posição atual:
Esse acompanhamento das pré-campanhas é importantíssimo. Vários trabalhos do Center for Public Integrity sobre finanças e campanhas eleitorais apontam que o pré-candidato que mais arrecada tem mais chance de se tornar o candidato. O candidato que mais arrecada tem mais chances de ser eleito. Pelo menos desde 1976 - quando, após o Watergate, tornaram-se mais rígidas as leis que determinam a publicidade do financiamento eleitoral - as campanhas vencedoras foram SEMPRE as mais ricas.
Saber de onde vem o dinheiro ajuda a ter uma idéia de que interesses podem querer (e muitas vezes levar) tratamento especial dos eleitos.
- SERVIÇO: Sempre, antes das eleições presidenciais, o Center for Public Integrity publica um livro muito interessante chamado "The Buying of the President" ("A Compra do Presidente"), que procura expor as relações entre financiamento de campanha e interesses econômicos. O de 2008 ainda não saiu. O "The Buying of the President 2004", do mestre Chuck Lewis, é a mais extensa e aprofundada reportagem política que eu já li na vida, cruzando dados, documentos e apuração de campo.
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