De todas as formas possíveis para extrair informações, a mais usada pela imprensa brasileira ainda é a anotação de aspas. Funciona assim: você pergunta, o entrevistado responde, você anota e publica assim mesmo. Dificilmente é feita a segunda pergunta ("Como é?", "Mas isso não era diferente?", etc), e muitas vezes não precisa fazer nem a primeira.
É isso, em grande parte, que gera o nível raso do nosso noticiário. "Céu é azul em dias de sol, diz Fulano". "Beltrano alega que não estuprou a menina na cadeia", "Sicrana recomenda uso de leite condensado para dar vitalidade ao cabelo". Você já viu tudo isso. Isso é especialmente interessante de observar especialmente nos casos em que um cidadão portador da chave de um gabinete abre a boca, diz um monte de besteiras (muitas verificáveis) e o pessoal publica sem maior checagem. De vez em quando um espírito-de-porco checa e vê que não é bem assim. Mas pra que vir com fatos quando se tem declarações?
A modalidade mais interessante do jornalismo declaratório, porém, é aquela que eu classifico como briga de bugio. O bugio é um macaquinho que, quando briga, faz suas necessidades fisiológicas na mão e dispara contra seu opositor - que responde na mesma moeda. De vez em quando, personalidades da vida política nacional agem da mesma forma. Só que, em vez de bosta, usam aspas. A mão é a dos jornalistas.
Vejam que linda, por exemplo, a briga de bugio entre FHC e Lula por estes dias. Neste round, começou com uma estocada do FHC:
- FHC (23/11): "Faremos o impossível para que os brasileiros falem a nossa língua e falem bem e não sejam liderados por alguém que despreza a educação, a começar pela própria".
No grande pátio de escola que é Brasília, Lula retrucou:
- Lula (27/11): "Obviamente que se comparar a educação, a formação intelectual do Fernando Henrique Cardoso, ele tem muito mais educação do que eu. É verdade que ele tem mais anos de escolaridade. Mas é verdade que eu sei governar melhor do que ele"
Aí descobriram que o FHC tropeçou na gramática em algumas declarações. ESCÂNDALO NACIONAL!!!!!
- FHC (29/11): "Se errei, peço perdão e corrijo. Mas até agora não consegui ver por que eu não posso dizer 'melhor educado' em vez de 'mais bem educado'. Não sei. Qual é a regra? O que me obriga?"
O Lula também deu outras alfinetadinhas, dizendo que presta mais atenção ao Espírito Santo do que seu antecessor (que já saiu do governo há quase cinco anos). Emocionante, não? Não percam os próximos lances.
No tempo em que eu trabalhava na Folha, a briga de bugio era entre ACM e Jader Barbalho. Cheguei a fazer preventivamente, para o caso de a pecha ser brandida, um box explicativo sobre a origem do xingamento "filho da puta" - lembrando até a peça "El-Rei Seleuco", de Camões, em que lá pelas tantas alguém diz "Oh fideputa bargante, esperai, que est' outro vo-lo dirá!" Também citava a música "Filha Daquilo", do Ultraje a Rigor - que só podia passar no rádio com um bip sobre a última palavra da expressão. Pena, não houve oportunidade de usar o box.
Os comentaristas da política tornaram-se exímios comentaristas esportivos, em virtude da disseminação do esporte da briga de bugio no Brasil:
- Fernando Canzian: "O Brasil real finalmente parece ter entrado em um círculo virtuoso sob o presidente Lula. Para inveja e desespero do ex-presidente FHC, que agora, na ausência de coisa melhor para fazer, resolveu criticar o ex-metalúrgico por falar errado. Como observou um leitor da Folha, agora só falta o tucano dar uma 'tacada' final no petista: 'Você só tem nove dedos, eu tenho dez'... Lamentável."
Ricardo Noblat: "Lula e FHC são políticos pragmáticos. E no passado caminharam juntos em várias ocasiões. Serão capazes de se reconciliar mais adiante. E até de brincarem lembrando as estocadas que trocaram nos últimos anos."
A mim, essa briga de bugio só causa irritação. Ê, crianças mais chatas! Eu, pessoalmente, adoraria tirar o recreio dos dois brigões. Quem sabe, até, colocá-los ajoelhados no milho de pipoca, com chapéu de burros e virados pra parede. Possivelmente também chamar os pais na diretoria. Educação vem de casa!
Arre, que falta faz um pé de enxada pra esses dois. E assunto ao jornalismo brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário