domingo, 2 de dezembro de 2007

Anuméricos

O pessoal costuma pegar no pé do presidente pelo fato de ele não ser lá muito bom no português. Ele também é ruim de matemática, como demonstra este trecho de uma matéria do G1:

    Depois de votar durante a manhã, em São Bernardo do Campo, no processo de eleição interna de sua legenda (PED), o presidente comentou a pesquisa Datafolha publicada na edição deste domingo do jornal "Folha de S.Paulo", que entre outros dados aponta que 65% dos entrevistados são contra um terceiro mandato consecutivo para o presidente Lula e 63% não concordam com a possibilidade de mudar a lei para criar o terceiro mandato para nenhum presidente. "Se tivessem me entrevistado, não seriam 63%, seriam 64%."

Noção de amostragem, que é bom, nem pensar. Claro, foi um chiste desajeitado, pra dar uma declaração política que vem sendo cobrada por todo lado.

Mas o trecho também demonstra outra coisa importante. Não é só o presidente que é ruim de matemática: os jornalistas que anotaram a aspa também são. Qualquer jornalista que tenha se dado ao trabalho de estudar um pingo de estatística básica para ler pesquisas eleitorais notaria o absurdo. Quando notam erros de português ou de informação, os mais engraçadinhos costumam colocar um (sic) ao lado, por exemplo. Os mais sérios colocam uma frase corrigindo a informação. Nada disso houve na matéria, o que leva a crer que o autor achou a declaração simplesmente um chiste.

Amostragem - o princípio matemático que faz com que 11.741 entrevistados espalhados pelo território nacional dêem pistas sobre a opinião de 190 milhões de brasileiros - não funciona do jeito sugerido pela blague do presidente. Se você lê bem em inglês, leia este texto: 20 Questions Journalists Should Ask About Poll Results.

Scott R.Maier, professor de jornalismo e discípulo de Philip Meyer, fez um estudo em que aplicou um teste de matemática a todos os jornalistas de uma mesma redação. Este foi o resultado:

    Na média, a equipe respondeu corretamente a 68% das questões — passável no limite pelos padrões escolares tradicionais. Quase um em cada cinco repórteres errou mais da metade das questões propostas. Mas muitos repórteres e editores demonstraram serem capazes de calcular mudança percentual e outros tipos de matemática básica exigidos pelo trabalho diário.

O termo "anumérico" é a tradução aproximada do neologismo inventado pelo professor John Allen Paulos no livro "Innumeracy". Segundo ele, se quem é fraco das letras sofre de analfabetismo (illiteracy), quem sua com os algarismos sofre de anumerismo (innumeracy). Paulos também escreveu outro livro, chamado "A Mathematician Reads the Newspaper" (Um matemático lê o jornal), onde enfoca especificamente os erros de matemática dos jornalistas, essa gente esquisita.

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