segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Castelos de lata

O G1 noticia pesquisa da Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo, segundo a qual 62% dos motoristas paulistanos andam sozinhos no carro. É mais ou menos essa a impressão que se tem observando os engarrafamentos da cidade: um monte de gente sozinha em seu castelo de lata, reclamando da quantidade de castelos de lata amontoados na via.

A notícia fica no aspecto "sociológico" da coisa: não há muita vida coletiva, o pessoal é meio solitário mesmo. Mas pense nos aspectos concretos. Todo o problema com o trânsito, esse inferno urbano, está exatamente nessa coleção de castelos de lata. O arquiteto Paulo Mendes da Rocha, um homem que já observou o problema com muito mais propriedade do que eu, resumiu assim a questão em entrevista à CartaCapital, há alguns meses:

    É como se tivéssemos inventado uma máquina de produzir veneno e, todo dia, nos empenhássemos em aprimorá-la. A questão dos transportes é fundamental. Não se trata, puramente, de introduzir conforto. Trata-se de ver que, queimar petróleo para transportar uma pessoa de 60 quilos numa lataria de 700 quilos, que não anda, é um erro grave. É repugnante ver a cidade congestionada de carros que não andam. A questão não é fazê-los andar, é ver que isso não tem saída, o transporte individual é uma bobagem.

    Então é uma bobagem construir túneis e viadutos?
    Vai se aprimorando a máquina do veneno. E já não importa que o carro não ande, porque você vê todo mundo lá dentro falando no celular, usando o laptop...

    Quando vê, já que os vidros estão pretos.
    Sim, quando vê, porque as pessoas estão escondidas. É um pouco a rota do absurdo. Acho até que isso não é assunto pra mim, mas para Borges, Cortázar ou Rabelais. Quando ouço, no rádio, que são 157,8 quilômetros de congestionamento, penso na linguagem de descalabros do Rabelais.

A coisa tende a piorar, obviamente. A Câmara Municipal sequer sabe direito o que quer do rodízio, aquela medida da prefeitura que proíbe um quinto dos carros da cidade de circular em certos bairros e certos horários.

Mesmo que ela soubesse o que fazer, não haveria muito resultado.

Primeiro, porque os deserdados do rodízio mais tranqüilos nas finanças acabam comprando novos carros. Há empreendimentos imobiliários que oferecem seis vagas na garagem pra acomodar os carros do papai, da mamãe, dos filhinhos, da visita e do rodízio.

Segundo, porque não há quem fiscalize a quantidade de infrações que os encastelados de lata cometem no trânsito em São Paulo. Pesquisa recente da Associação Brasileira de Medicina do Trânsito dá conta de que a maior parte dos motoristas não passa cinco minutos sem cometer infrações. Apenas uma em cada 17 mil barbeiragens acaba em canetada.

Quando é por excesso de velocidade, que tem câmera fiscalizando, até aumentam as multas. Só que o acúmulo dos castelos de lata na verdade DIMINUI a velocidade dos carros, como sabe qualquer um que tenha tentado ir para casa às seis e pouco da tarde. Por isso, e quando se trata de coisas como a invasão sem-vergonha dos míseros dez segundos reservados aos pedestres em certos cruzamentos? Ninguém dá lá muita bola.

Os fiscais do trânsito dizem que não há muito o que fazer. Não dá pra aumentar o tempo do sinal fechado, porque o trânsito precisa andar.

Quem ganha com isso? Não é o pedestre, que só se ferra. Não é o motorista, que fica entalado no meio do trânsito. Não é o passageiro de ônibus, que fica refém do trânsito e ainda recebe muitas vezes um péssimo serviço. Não é a prefeitura, que até faz caixa com as multas mas nem de longe tanto quanto poderia.

Aliás, a prefeitura sequer tem coragem política de discutir concretamente estratégias como o pedágio urbano. Adotada em Londres, ela me parece mais eficiente do que a multa, porque impõe uma escolha a quem quiser atravancar a cidade com seu castelo de lata. Em vez de trazer a conseqüência depois, na remota possibilidade de o infrator ser visto infringindo, faria o sujeito ter que decidir antes se vale mais a pena sair encapsulado em lata sozinho ou se poderia pegar algum tipo de transporte público. (De preferência menos ruim que os ônibus que temos hoje. Algo como as lotações de Porto Alegre, talvez.)

Só quem não tem do que reclamar é a indústria de carros, que terá produzido mais de 3 milhões de carros neste ano e espera asumentar as vendas em 9% no próximo ano.

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