segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

JG - a pergunta que não quer calar

O Jornal Nacional acaba de destacar as reações de políticos brasileiros à entrevista feita pela Simone Iglesias, da Folha, com o uruguaio Mario Neira Barreiro, que diz ter matado o ex-presidente João Goulart e está preso no RS por roubo e porte ilegal de armas.

É incrível como as coisas precisam sair na capa da Folha pra ganhar repercussão. Há duas semanas, a Folha publicou artigo do Carlos Heitor Cony sobre isso. Mas o Cony é cronista, nunca repercute. Depois, O Globo publicou declarações do mesmo senhor, obtidas pelo filho do ex-presidente, João Vicente Goulart. Repercussão zero. Ou quase.

Mais ainda: em 2002, o mesmo ex-policial deu entrevista a um jornal uruguaio contando exatamente a mesma coisa - mas com foco na repressão lá na Cisplatina. Aqui, zero.

Sempre digo que o maior problema nosso aqui no Brasil é mal conhecer o que se produz de jornalismo no Brasil e basicamente não conhecer o que se produz de jornalismo nos países vizinhos. Eu mesmo tenho esse defeito, mas por acaso essa eu pesquisei antes.

Pra entrar no mérito da coisa, a questão é bastante complicada.

É impossível saber se é verdade ou não o que diz o uruguaio. Há muitos detalhes malcontados na história da morte. Os detalhes dados pelo uruguaio não parecem história de maluco (embora a participação de Fleury na decisão seja discutível, como aponta um biógrafo). Mas será impossível comprovar definitivamente, porque não há prova material.

O relatório da comissão externa do Congresso para investigar o caso concluiu "pela impossibilidade de colocar um ponto final nessa investigação". E realmente é (baixe aqui o relatório). Segundo os testemunhos dados à comissão, o corpo de Jango não foi autopsiado. As pílulas que Barreiro teria dado a Jango há muito foram jogadas no lixo. E ninguém deixa documentos de uma coisa assim, também, exceto por um descuido muito grande.

O filho do ex-presidente é bastante otimista. Tem pressa em ver o caso andar, por motivos óbvios e porque sua família processou o governo dos EUA pela morte de Jango. João Vicente Goulart tem o mérito de ter jogado o holofote sobre o uruguaio. O único problema é quando afirma que "a prova é ele", o uruguaio Mario Neira Barreiro, que até escreveu um livro com o título "Entrevista con un Reo Confeso - Todas las respuestas sobre el asesinato de João Goulart". Mas, com todo respeito ao filho de Goulart, a prova NÃO É o uruguaio. Pelo menos não apenas por si.

Barreiro é concretamente, hoje, basicamente um candidato a réu de uma morte mal-explicada que teria sido um assassinato que não deixou provas porque foi mal-investigado na época e corre o sério risco de estar prescrito atualmente.

Na verdade, o que mais me intriga é a motivação de Barreiro para falar. Ele não disse nada na entrevista à Simone, mas um bom fio da meada para alguém que queira dar uma boa olhada nisso é isto que ele disse ao jornal uruguaio La Republica há alguns anos: que tentou depor à comissão do Congresso que investigou a morte de Jango, na esperança de vir ao Brasil como exilado político, mas o pedido não foi aceito. De fato, em nenhum momento o nome dele é mencionado no relatório.

Outra coisa que me intriga é a menção de um certo "Mário Barreiro" como um dos policiais detidos após o atentado à sinagoga Amia, na Argentina, em 1994 (leia aqui). Se for ele próprio e ele de fato for quem diz ser hoje, isso fecharia no perfil.

Acho que vale a pena ir mais a fundo no caso. Conclusivamente, nunca se vai descobrir nada sobre a morte do Jango em si. Mas é possível descobrir mais sobre o histórico pregresso do uruguaio, que pode confirmar ou refutar as ligações que ele disse ter.

Fora isso, Jango continua sendo nosso Kennedy.

3 comentários:

Anônimo disse...

Marcelo:
Dica:confronte a idade atual do denunciante e a idade em que ele teria praticado o suposto assassinato. Inverossímel, não???
Nélio.

Marcelo disse...

Foi a primeira coisa que eu fiz, há duas semanas. Porque me pareceu inverossímil também. Mas nas entrevistas ao jornal uruguaio ele diz que era de uma espécie de juventude de extrema-direita no Uruguai. Não seria impossível que os milicos mandassem a molecada fazer o serviço mais sujo. Mas de qualquer forma o que eu acho que vale a pena é levantar a história completa desse cara, fora da entrevista com ele. Até agora, é só a palavra dele.

Anônimo disse...

Oi, Marcelo,
você viu a entrevista que a Anna Lee, co-autora do livro "O Beijo da Morte", concedeu ontem ao Paulo Henrique Amorim na Record News?

Em um momento, o Paulo Henrique perguntou à Anna se ela achava que o corpo do João Goulart deveria ser exumado. Ela replicou dizendo que essa pergunta deveria ser feita ao filho dele. O Paulo, então, disse que já havia feito a pergunta ao João Vicente, mas este teria dito que não acredita na credibilidade/imparcialidade de uma perícia nacional, que apenas aceitaria se as diligências fossem feitas por um perito de fora.

A Anna (que entrevistou Barreiro para o livro) concluiu que apesar do Mário Barreiro parecer a ela um sujeito um tanto "delirante", ele deveria ser ouvido e investigado, principalmente pelas congruências do depoimento dele e documentos que ela viria a encontrar depois. Como a última carta do Jango para seu filho, interceptada pelo serviço de espionagem, que ela encontraria nos autos do Habeas Data do Jango, e que o Mário mencionara na entrevista. Como ele saberia da existência dessa carta?, ela se perguntou.