sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O voto eletrônico de papel

Saudada pela Justiça Eleitoral brasileira como melhor inovação na área de segurança eleitoral, a eleição sem papel vem sendo questionada constantemente nos Estados Unidos. Recentemente, o estado de Ohio, nos EUA, fez um estudo sobre a segurança e a confiabilidade dos sistemas de votação eletrônica lá usados (baixe aqui).

O engenheiro de software Amilcar Brunazo Filho, que há mais de dez anos estuda e critica o sistema das urnas eletrônicas, foi quem eu mais entrevistei a respeito, ainda no tempo da Folha. Minha primeira reportagem publicada no jornal tinha ele como fonte.

Ele e seus colegas do Fórum do Voto Eletrônico defendem a adoção da impressão do voto como medida para aumentar a segurança da eleição. O eleitor vota na urna eletrônica, ela imprime o voto, o eleitor confere e põe numa urna física. Com isso, seria possível recontar por amostragem uma percentagem das urnas para conferir o grau de precisão dos votos registrados.

Amilcar lê todos os estudos que saem nos EUA a respeito do voto eletrônico, resume e envia a uma série de jornalistas que considera sérios. Boa parte desses estudos recomenda a adoção do voto impresso como medida de segurança. No Brasil, porém, a Justiça Eleitoral faz um lobby forte para não incluir a medida.

Este foi o resumo que Amilcar fez do estudo de Ohio:

    O estudo foi feito por duas equipes de cientistas (acadêmicos e corporativos) e custou em torno de 2 milhões de Dolares. O Relatório Executivo foi apresentado no dia 14 de dezembro de 2007 pela Secretária de Estado Jennifer Brunner com comentários que se pode ver em: http://www.sos.state.oh.us/sos/info/everest.aspx

    Entre as recomendações do relatório para as eleições primárias e presidenciais de 2008, todas feitas visando dar segurança e confiabilidade do sistema eletrônico de votação e apuração, estão:

    1- obrigatoriedade de materialização do voto para conferência EFETIVA do voto pelo eleitor. Permissão do uso de máquinas de votar (de preencher o voto);

    2- probição do uso de urnas eletrônicas virtuais (chamadas DRE) do tipo das urnas-e brasileiras;

    3- apuração centralizada dos votos impressos por máquinas leitoras óticas de alta performance e conseqüente proibição de apuração dos votos nas seções eleitorais (pela urnas-e ou pelas leitoras óticas)

    Com isso, já são 38 (de 50) os Estados dos EUA que, por questões de segurança e confiabilidade, utilizarão máquinas com voto impresso conferido pelo eleitor nas eleições de 2008.

    Comparando esta situação com o Brasil, pode-se dizer que o Relatório de Ohio é mais forte pancada na alegada "modernidade" do sistema eleitoral brasileiro que é baseado em urnas-e cujo resultado não tem com ser conferido (vide Caso de Alagoas, que passados 14 meses depois de encontrado arquivos logs das urnas-e corrompidos, ainda nem se iniciou uma auditoria técnica).

    ... e ainda tem um montão de fiéis do Santo Baite que acham que o sistema eleitoral brasileiro é moderno e confiável.

Brunazo tem seus motivos para classificar os que não aceitam críticas ao sistema da urna eletrônica como "seita do Santo Baite".

Ao longo do tempo, ele foi se tornando conhecido pela Justiça Eleitoral, por dar entrevistas criticando a segurança da urna. Para tentar desclassificá-lo, o TSE insinuava contra ele o fato de que presta consultoria a partidos políticos para a verificação das urnas - única situação possível em que um técnico pode ter acesso ao programa, e ainda assim de maneira limitada. Em 2002, soube que a assessoria de imprensa do TSE costumava desqualificá-lo como fonte sempre que jornalistas ligavam pra lá pedindo uma palavrinha da Justiça Eleitoral sobre as críticas.

O assunto é importantíssimo, mas continua muito mal coberto no Brasil. Nos EUA, ainda existe um pouco mais de preocupação com a forma como os votos são contados, especialmente depois do fiasco da eleição de 2000. Aqui, zero. Decretou-se que a urna eletrônica é necessariamente confiável e ficamos por isso mesmo.

No meu tempo de Folha, eu fazia questão de ler por mim mesmo esses estudos e consultar outros profissionais de informática para avaliar os argumentos. Do lado da Justiça Eleitoral, em vez de entrevistar um ministro, eu preferia entrevistar o japonês que prepara o sistema. Gosto de pensar que as matérias eram boas, embora eu hoje veja coisas que poderia ter feito melhor. A única coisa chata é que não havia concorrência. No debate público, ficava o dito pelo não dito e o que valia eram as aspas das autoridades.

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