domingo, 3 de fevereiro de 2008

Accountability versus "segurança"

O assunto da semana em que estive enforcado de trabalho foi o final da novela dos cartões de crédito corporativos da ministra Matilde Ribeiro - com a saída dela.

Como quem acompanha jornais deve saber, o caso inteiro começou quando o jornal O Estado de S.Paulo verificou que alguns altos funcionários públicos utilizavam o cartão (que deve ser usado para gastos emergenciais) até pra comprar tapioca.

Os dados foram retirados do Portal da Transparência, do governo federal. Esse portal é uma das mais interessantes realizações do governo Lula, porque permite verificar como o governo gasta dinheiro. Tem defeitos, óbvio. Por exemplo: todos os R$ 11,5 milhões gastos pela Abin em cartões corporativos no ano passado são sigilosos, bem como R$ 3,7 milhões gastos pela Secretaria da Presidência da República.

Durante a semana em que estive fora, também li nos jornais o velho ad-hominem em ação: dois altos funcionários do governo disseram que o governo FHC gastava mais em cartões. Pois vejam: eles poderiam capitalizar isso politicamente, dizendo que nunca antes na história deste país se conseguiu identificar com tanta precisão eventuais excessos de liberdade de altos funcionários públicos com os cartões. Eles podiam colocar na internet os dados de gastos feitos com cartões corporativos na gestão anterior, para quem quiser comparar (eu, pelo menos, agradeceria). Não: preferiram bater o bumbo da conspiração.

Agora, o Josias de Souza informa que a crise política gerada pela divulgação dos gastos levou o presidente Lula a querer que seja punido o funcionário que usou essa meritória iniciativa de seu governo para informar os gastos do cartão em posse de José Henrique de Souza. Ele é assessor do gabinete pessoal do presidente, e sua lista de gastos informa compras em butiques de carnes e vinhos, possivelmente para a dispensa presidencial. Para o presidente, esses gastos deveriam ser sigilosos - e a divulgação foi proibida. Por quê? A informação é a de que põem a presidência em risco. Mas também porque expõem a ele e aos seus a críticas pela natureza dos gastos. Isso não é segurança nacional, como alegou o ministro Jorge Félix. É segurança politiqueira.

O maior problema não é o fato de o presidente comer bem. Mesa farta sempre é bom - quem não gosta? Tampouco é o maior problema o fato de ele passar bem com dinheiro público, aliás. O maior problema é o fato de se cogitar punição para a revelação disso - aleijando exatamente uma iniciativa importantíssima de seu governo, que ganha força com mais, não menos, transparência.

É por essas e outras que o conceito de "accountability" (algo a meio caminho entre responsabilização e prestação de contas) não tem tradução exata em português.

Pus ali do lado uma enquete a respeito.

2 comentários:

Anônimo disse...

Marcelo:
Para evitar esta possível quebra de sigilo das particularidades da família presidencial, sugiro o óbvio: a família do dirigente em questão e ele próprio se habituarem em empregar seu suado (!!!) dinheirinho para prover suas necessidades. Ninguém teria nada sobre como os petistas e seus rebentos gastam suas economias e a pátria dormiria em paz. Lógico que para isso acontecer, eles teriam que aprender a não misturar o público com o privado. Segurança nacional é gastança sem controle, general!
Nélio

Marcelo disse...

Pois é. Há várias formas de os mantimentos das autoridades não aparecerem no portal da transparência. Uma delas, bastante meritória, é botar a mão no próprio bolso. O salário de um presidente ou ministro não é nada ruim. Eles já têm pouquíssimas despesas próprias, pelo menos um vinhozinho importado eles podiam botar a mão no bolso pra comprar...