sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Lula não leu Montesquieu

Alterado, levantando a voz (veja aqui o vídeo), o presidente do seu país bradou aos quatro ventos contra a interferência do Judiciário em ano eleitoral. Se você não assistiu ao vídeo, este é um trecho do que ele disse:

    Seria tão bom se o Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas dele. Iríamos criar a harmonia que está prevista na Constituição para que democracia seja garantida. [...] O governo não se mete no Legislativo e não se mete no Judiciário. Se cada um ficar no seu galho, o Brasil tem chance de ir em frente. Se cada um der palpite [nas coisas do outro], pode conturbar tranqüilidade que sociedade espera de nós.

O ministro Marco Aurélio de Mello, alvo de Lula, manifestou preocupação. Tem motivos.

A separação de poderes, consagrada nas Constituições modernas, existe justamente para que um "se meta" no outro. Os poderes são "independentes e harmônicos", como quer o segundo artigo da Constituição, mas isso não significa que a independência consista em eles gravitarem em universos paralelos um em relação ao outro e nem que a harmonia consista em eles não se meterem entre si.

Quando Montesquieu propôs o sistema de separação dos poderes, ele propôs que eles funcionassem como "freios e contrapesos" um do outro, para evitar abusos:

    Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Uma constituição pode ser de tal modo, que ninguém será constrangido a fazer coisas que a lei não obriga e não fazer as que a lei permite. (...) Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Se num Estado livre todo homem que supõe ter uma alma livre deve governar a si próprio, é necessário que o povo, no seu conjunto, possua o poder legislativo.

Na teoria da separação dos poderes, o Legislativo existe para contrabalançar as decisões do Executivo; o Judiciário dirimiria conflitos. Se, num determinado regime, um poder não pode se meter no outro, não precisa de Legislativo e nem de Judiciário: coroe-se logo um rei.

É claro que a prática é diferente. Num país em que 76% das leis aprovadas pelo Congresso são de iniciativa do Executivo e em que as medidas provisórias recaem sobre as conchas pra cima e pra baixo aos borbotões, natural que o presidente ache que o Judiciário fazer freio é intromissão. No país do mensalão e da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, contrapeso é palavrão.

Esperar que o presidente tenha lido Montesquieu é querer demais. Mas bem que ele podia ter consultado o advogado-geral da União antes de se alterar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Marcelo:
Eu não sei, mas me pareceu que ele estava alto... Assim tudo faria sentido. É a política de sindicato demonstrado sua ojeriza a controles. Democracia só é bom se eu mandar sem objeções.
Nélio

Anônimo disse...

Uai... que cê tá fazeno aqui?

Marcelo disse...

Ué, mantenho este blog desde que estava me preparando pra sair da Transparência Brasil, em setembro.

Anônimo disse...

Ué, ninguém me avisa nada....