Tio Otacílio de Souza Ekman era meu herói. Mais do que o Ian Gillan, o Ritchie Blackmore, o Philip Meyer, o Bob Woodward, o Demolidor ou o Batman. Essa foto mostra bem a forma como eu lembro mais dele: faceiro, ainda mais perto de um churrasco, mais ainda com uma latinha de cerveja na mão, contando histórias de seus 90 anos bem-vividos apesar de todas as dificuldades. Foi ele quem me ensinou a fazer meu famoso carreteiro.
Ele sempre dizia que tinha se preparado para viver só até os 60, e que desde então estava no lucro. A gente dava risada, como se fosse só gracejo, mas era verdade. O enterro, porém, pelo que me contaram, foi sereno - um encontro de parentes em volta de um cara a quem todos admiravam e cujo organismo deu um ano para que todos se preparassem para o que viria.
Apesar do pouco estudo que todos naquela geração da família tiveram, o tio (irmão da minha avó) era um homem culto, curioso, que gostava imensamente de saber sobre tudo. Quando traduzi o encadernado com as primeiras histórias do Capitão América, em fevereiro, recorri aos dois volumes que ele guardou durante anos, descrevendo todas as principais batalhas da II Guerra Mundial. Foi ele quem me guiou na busca pela genealogia sueca da família, e eu nunca deixei de me surpreender quando ele batia no peito para repetir o brado da Marinha sueca, que lhe havia sido ensinado por um tio que passara pelo Brasil lá pela década de 1920. Nunca aprendi as palavras exatas.
Não consegui ficar desesperado com sua morte. O desespero foi dois dias antes, quando morreu minha prima Cristina, aos 36 anos. Eu brincava com ela quando criança. Ainda no domingo eu a visitei, pois por acaso estava na mesma cidade, e rimos juntos das histórias do Madepinho. Segunda ela foi para o hospital e durou poucas horas lá. Isso revolta. Isso não é idade para ninguém morrer. Não é a ordem natural da vida, se é que existe isso.
Quando soube que o tio havia morrido, senti uma agulhada na espinha - e só. Racionalmente, eu sabia que ele se sentia preso ao próprio corpo após um derrame um mês após a festa dos seus 90 anos. Eu não consigo imaginar como me sentiria se estivesse com a cabeça funcionando e o corpo sem responder, mas ele encarou com bravura suficiente para passar mais um aniversário na clínica alguns dias antes, comendo bolo na companhia dos amigos que fez nesses meses.
Eu homenageei meu herói acompanhado de dois amigos, dividindo uma cerveja e batendo papo, como ele gostava. A depressão bateu só no dia seguinte e ainda não foi embora completamente. Não é fácil enfrentar duas vezes na semana esse feio costume descrito pelo Jorge Luis Borges e ainda me manter inteiro e animado para ensinar Excel a jornalistas, longe de casa e da família.
Mas passa. Ainda aprendo a ter a justa tranqüilidade dele.
4 comentários:
Marcelo, sinto por ti. Também tenho tido uma quota pesada de perdas de pessoas muito importantes para mim, algumas de forma injusta. Mas vida não é justa, é?, e temos que tocar a bola adiante.
O que eu queria dizer é que sei como te sentes, e que sei que poucas coisas ajudam numa hora dessas. Uma delas é a presença dos amigos.
Fica firme.
Abraço bem forte.
Lamento pela sua perda.
Bom, some food for thought, ou pelo menos, for investigation:
http://terramel.org/senado-federal-paga-48-mil-por-mes-por-um-banner/
Ô, meu amigo, que coisa! Não há palavras de consolo, claro. Depois que perdi meu pai aos 58 anos, costumo dizer que é gente não deve tentar fingir que nada aconteceu; que somos fortes, etc. É bom fazer o luto, sim. Viver intensamente os momentos bons e os doloridos, como diz o Calligaris. E, depois, levantar-se e seguir em frente. Lembre-se dos que ficaram, como a família da sua prima, que deve estar precisando de apoio nesta hora dificílima. Abração
Oi... sinto muito pelas perdas. Não há muito pra se dizer nessas ocasiões. Sinta-se abraçado, é o q eu faria se estivesse por perto, ok? Beijinhos.
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