segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O Batman, os fins e os meios


Finalmente fui assistir ao filme do Batman, ontem, quando as filas estavam melhores. Gostei muito do filme, por um lado, e fiquei perturbado com ele, por outro. Isso tem a ver com os meus "dois" chapéus: o de nerd histórico e o de observador da política.

Como nerd histórico, achei o filme muito bem-amarrado, com caracterizações instigantes dos personagens que conheço desde a infância. Vi ali elementos interessantes sobre lavagem de dinheiro e caça a criminosos chineses, que batem bem com coisas que li para fins mais profissionais. Ou seja: o roteirista não é nada bobo e fez a lição de casa direitinho. E ainda tem uma cena em que o Bruce Wayne e o Lucius Fox têm um diálogo à la Bond e Q.

O Coringa ciclotímico, maquiado e cheio de cicatrizes desse filme é muito mais convincente do que todas as outras encarnações dele nos 68 anos que se passaram desde o primeiro gibi do título próprio do Batman. Nas telas, Cesar Romero era um palhaço bobalhão, Jack Nicholson era um sacana e Heath Ledger foi um Coringa genuinamente insano, pagando tributo e acrescentando camadas ao que a gente já vê nos gibis desde os anos 90. Mas esse atributo me pareceu ser mais do roteiro do que do ator. Por mais que ele tenha estado à altura do roteiro, não acho que a atuação tenha sido tão genial quanto dizem por aí, ou mesmo que ela tenha "causado" a morte dele. Tem muito exagero nessas coisas, e vale a pena olhar com algum distanciamento.

A história centra-se na fascinante ascensão e queda do promotor Harvey Dent, cuja identidade de Duas-Caras é conhecida dos leitores de gibis por meio de histórias publicadas desde 1942 (e, mais recentemente, foi mostrada com vagar no desenho do Batman dos anos 90). Tal como o desenho animado, o filme deu tempo de o espectador pegar simpatia pelo incorruptível promotor público antes de mostrar sua transformação radical. Tiro meu chapéu pra tudo isso.

Mas, ao tirar o chapéu de nerd, preciso colocar o de observador da política. Aí é que o filme me perturbou, numa questão de fins e meios. Vá lá, um adulto se vestir de morcego e sair pela noite batendo em bandido sem mandato ou mandado já é algo bem complicado nesse terreno. Mas o filme vai mais longe, propondo a seguinte questão: até que ponto a privacidade dos cidadãos comuns pode ser posta de lado pra pegar um terrorista cuja razão de explodir coisas é apenas "ver o circo pegar fogo"?

Um espectador mais afeito às páginas de política dos jornais brasileiros seria remetido imediatamente à questão da quantidade imensa de grampos que vem sendo feita em investigações da polícia federal. Um americano certamente é imediatamente remetido ao Patriot Act. Noutro trecho, um espectador mais afeito às reportagens investigativas dos jornais americanos não poderia deixar de lembrar das "renditions". E o ministro Habeas Mendes certamente soltaria todos os presos por terem sido pegos com o uso de prova ilícita. Outros já pediram hábeas alegando isso.

A história tem tantas camadas quanto uma cebola. Hollywood tem dessas coisas, uma sofisticação técnica que ninguém mais conseguiu desenvolver. Se você for querendo assistir ação estonteante, vai achar. Se for atrás de uma intrigante história policial, tá lá. Se for querendo ver boas caracterizações de seus velhos conhecidos dos gibis, vai sair batendo palmas. Se quiser ver o filme como uma metáfora destes tempos, vai ter muito em que pensar depois - concordando ou discordando. Se quiser arte, porém, vá assistir ao cirque du soleil.

O barato desse filme do Batman é que, concorde ou discorde no tocante ao fato de o Batman justificar os meios pelos fins, muita gente não arreda pé de um ponto: é um baita filme de heróis dos quadrinhos. Recomendo.

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