quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Na dúvida, proíba-se (2)

Do O Globo Online:

    Num encontro com integrantes da CPI do Grampo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, criticou nesta quinta-feira a existência de grupos de juízes, procuradores e policiais federais que atuariam, segundo o ministro como uma espécie de "milícia" distorcendo o correto processo investigativo e legal no país. Gilmar se referiu especificamente às Varas Judiciais que tratam de crimes de lavagem de dinheiro, onde a proximidade entre esses profissionais atrapalha o processo.

    Em tom de desabafo, o ministro disse que isso não poderia continuar ocorrendo. O ministro, segundo três parlamentares que participaram do encontro, usou a expressão "milícia" ao falar desse problema. Mas eles ressaltaram que ele se referia a essa força-tarefa criada e não como uma milícia nos moldes daquela que age no Rio de Janeiro.

Ou seja: ele está atacando o núcleo do funcionamento das operações da PF. O procurador, tendo elementos para uma denúncia, pede autorização ao juiz para a PF grampear telefones de suspeitos. Algumas informações importantes obtidas nessas gravações são checadas e depois é preparado um grande flagrante - que são aquelas operações de nome engraçado que a gente conhece.

(OK, de vez em quando um figurão pego nelas pede um habeas corpus pra aguardar julgamento no conforto de seu lar e o ministro acaba sendo criticado quando o concede duas vezes em 48 horas para garantir os direitos fundamentais do acusado.)

Não sou especialista em direito, mas não me parece que esse trâmite em si, por princípio, ocorra ao arrepio da lei. É claro que em qualquer interação humana há margens para abusos - que pelo que eu leio ocorrem mesmo, muito mais vezes do que seria aceitável, e é preciso apurar a fundo. Mas não me parece que o trâmite entre procuradores, juízes e policiais, em si, seja ilegal como quer o ministro.

O que me parece, isso sim, é que o ministro Habeas Mendes está perdendo a serenidade. Não que não tenha motivos. Qualquer um perderia se houvesse sido grampeado. Daniel Dantas certamente deve ter perdido. Mas o empresário, por sorte, não era o presidente da Suprema Corte.

"Hoje, a principal ferramenta de investigação de corrupção é a informação, e não tem como a gente obter informação sem o grampo dos suspeitos", me disseram pelo menos quatro procuradores e juízes nos últimos dias. Faz sentido, embora todo mundo saiba (especialmente nos últimos dias) que há excessos.

A questão é basicamente esta: é preciso controlar com rigor o uso do grampo, pra coibir os excessos. Mas como fazê-lo sem seguir o velho costume brasileiro de "na dúvida, proíba-se"?

Porque aqui no Brasil é assim: se o estado não consegue fiscalizar o trânsito pra evitar mortes, proíbe de vez a bebida. Se o jornal fala mal de um político em época de eleição, manda-se apreender a tiragem. Se não se consegue fiscalizar o que os políticos fazem na internet, proíbe-se o uso da Web nas campanhas. Se a modelo posa seminua com um terço, proíbe-se a reprodução da foto. Proíbe-se até videogame.

2 comentários:

Leonardo de Oliveira Martins disse...

Os trâmites em si são legais - mas não dá prá dizer que são ótimos. Vendo essa reportagem do Estadão tem-se uma idéia melhor do problema apontado pelo ministro:

"Mendes, segundo afirmaram deputados ao Estado, disse que há casos em que o juiz, consorciado a delegados, passa a fazer a instrução do inquérito, colhendo provas, muitas vezes direcionando essa captação de provas, e depois julgando. O juiz, nesse esquema, acaba exercendo papel de polícia e se afasta de sua missão de julgar."

Ou seja, se o juiz atua em conjunto com a promotoria (e não com a defensoria), ele não tem a isenção necessária para avaliar o caso posteriormente. (note que sou leigo em direito, apenas tentei interpretar a reportagem)

Marcelo disse...

É exatamente isso que eu digo. Em vez de debater medidas para resolver os problemas, desqualifica-se e proíbe-se.