Que ninguém diga que os deputados brasileiros não trabalham. Vejam este projeto:
- Um projeto de lei apresentado pelo deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) na Câmara define o funk como "forma de manifestação cultural popular" e determina que o poder público garanta as condições para a democratização da sua produção e veiculação musical. Na justificativa da proposta, Alencar enfatizou que o movimento funk é hoje uma atividade de lazer e cultura popular das mais importantes, reunindo mais de 1 milhão de jovens todos os fins de semana, apenas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
(...) Pela proposta, o Poder Público deverá garantir a proteção do funk e dos direitos dos artistas do movimento, reconhecidos como "agentes da cultura popular". Deverá ser assegurada a livre realização das festas e dos bailes para sua promoção.
Se aprovada, a lei estabelecerá ainda que o poder público deve assegurar as condições para a democratização da produção e veiculação musical do funk, "de modo a minimizar o monopólio e a cartelização desse gênero musical" [NOTA DO BLOG: ou seja, via incentivo cultural]. O projeto define também que a discriminação e o preconceito contra o movimento funk e seus integrantes estarão sujeitos às penas previstas em lei.
Não é novidade que os funkeiros estejam querendo esse reconhecimento. O pleito consta do funk escrito pela Valeska Popozuda para o presidente Lula, após o encontro dos dois há algumas semanas. Mas há aí algumas questões de fundo.
Pessoalmente, acho que cultura popular não tem que ser algo que se reconheça por decreto. Quem tem que reconhecer cultura popular é o público dessas expressões. A julgar pelo sucesso do funk, seu caráter popular já está mais do que reconhecido. Obviamente há quem desgoste do ritmo (eu, por exemplo), mas lei nenhuma pode mudar isso.
O que me intriga mais é colocar o desgosto pelo funk na mira das patrulhas do politicamente correto quando prevê penas para quem "discrimina" o funk. E também não dá pra desprezar as grandes possibilidades de dinheiro público que se abririam com o reconhecimento. Afinal, no que depende da bolsa da Viúva, incentivo à cultura é o que não falta no Brasil.
OUTRO LADO: O BLUES
Blues era som de preto. De favelado. Mas quando tocava ninguém ficava parado.
Até os anos 60, quando o blues do Delta do Mississipi foi redescoberto e tocou fogo na criação do apogeu do rock, os discos de blues de raiz eram raríssimos porque só haviam sido vendidos em lojas "étnicas", no sul dos EUA.
Gênios como o Robert Johnson, na época, deviam soar mais ou menos como os letristas de funk. Ele abusa do duplo sentido e das metáforas sexuais ("squeeze my lemon till the juice runs down on my leg"). Fala em bater e dar tiro em mulher ("I'm gonna beat my woman until I'm satisfied", "Take my 32-20, boy, cut her half in two"). Mas ouçam o que ele faz com o violão, sozinho, ENQUANTO canta. E aqueles uivos! Esse é o patrimônio cultural que ele deixou. Viveu ferrado, morreu em circunstâncias suspeitas. Nunca ganhou um décimo da grana que os funkeiros ganham com os bailes.
Desconheço se o Congresso dos EUA aprovou, alguma vez, alguma lei consagrando o blues de raiz como forma expressão cultural. Até onde eu saiba, nunca - a consagração veio dos que amam a música. Cultura popular, consagração popular.
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