Suponho que a maioria dos leitores deste blog não seja formada por leitores de quadrinhos. Talvez vocês tenham ouvido falar nos últimos dois anos de alguns acontecimentos interessantes na Marvel Comics. Eles surgem soltos no noticiário geral, pra quem não acompanha os quadrinhos, mas vistos em seu conjunto fazem uma bela fábula sobre as conseqüências da polarização. Tenho a honra de traduzir algumas dessas histórias.
Qualquer semelhança com o que você lê nas páginas de política, de polícia brigando com polícia, juiz acusando juiz, megaempresários acusados de serem bandidos nadando de braçada no meio da confusão e o governo querendo saber para que "lado" torcem os brasileiros, não é mera coincidência. O gibi é basicamente uma versão fantasiada de como funcionam as coisas no mundo real.
(Se você é leitor de quadrinhos, prossiga por sua conta e risco. Há spoilers. Se você não é, prossiga por sua conta e risco. É nerdismo à caubói, sem gelo. Mas se você tiver paciência pra chegar ao final, pode valer a pena.)
A parte política da coisa começou quando alguns heróis exibidos resolveram aparecer num reality show e trombaram com um bandido explosivo. Eles morreram com a reação do bandido, bem como diversas crianças numa escola ali perto.
O Congresso dos Estados Unidos dos quadrinhos correu para aprovar uma lei a respeito, exigindo que todos os heróis só pudessem agir caso tivessem licença do governo americano. Os que se registrassem receberiam treinamento, uma carteirinha e um salariozinho, além de algumas missões oficiais. Os que não se registrassem seriam caçados e presos.
A Lei de Registro rachou os heróis ao meio. Antigos aliados, como o Capitão América e o Homem de Ferro, ficaram de lados opostos - um contra e o outro completamente a favor do registro. A Marvel, então, propôs aos leitores a seguinte questão: "De que lado você está?"
A Panini chegou a publicar uma edição do Clarim Diário com as notícias da guerra. Foi feita uma enquete entre os leitores sobre de que lado estavam. Pra quem cada um torce?
Os fãs atenderam ao convite e manifestaram suas preferências. Banners foram distribuídos para que cada um pudesse mostrar nos fóruns se estava a favor dos aliados do Homem de Ferro, a favor do registro, ou da turma do Capitão América, contra o registro. Enquanto isso, seus heróis favoritos brigavam entre si. Os pró-registro fizeram as besteiras mais flagrantes, como criar um clone do Thor que acabou por matar um dos heróis, o Golias Negro.
Ao final, o registro venceu e o Capitão América se entregou voluntariamente às autoridades, como bom cidadão. Mas, a essa altura, os superbandidos já estavam nadando de braçada:
- * O Caveira Vermelha, tradicional inimigo do Capitão, manipulou a mente da namorada do herói, Sharon Carter, para assassinar o símbolo da resistência.
* Como os vilões também deveriam ser registrados junto ao governo, foi criado um grupo especialmente para eles, para fazerem o "trabalho sujo" de caçar superpoderosos irregulares.
* Esse grupo começou a ser comandado pelo empresário Norman Osborn - que, por acaso, vem a ser o Duende Verde, maior inimigo do Homem-Aranha.
Os Vingadores se dividiram em dois grupos: um chapa-branca, sancionado pelo governo e comandado pelo Homem de Ferro, e um clandestino, caçado pelos ex-colegas e reunido na casa do feiticeiro supremo Doutor Estranho. (Esse clandestino é o que eu traduzo.)
No ponto em que as histórias estão hoje no Brasil, os dois grupos de Vingadores estão começando a observar que, enquanto os heróis estavam muito ocupados brigando entre si, inimigos ainda mais insidiosos se infiltraram entre eles, dos dois lados, e possivelmente deram uma apimentada na briga. Eram os Skrulls, uma raça alienígena de guerreiros derrotados pelos Vingadores nos anos 70.
Os Skrulls têm poderes transmorfos - ou seja, podem assumir a aparência de quem quiserem. Foram os Vingadores clandestinos que os descobriram pela primeira vez, quando enfrentaram o grupo criminoso Tentáculo no Japão. No calor da batalha, um dos membros dos Novos Vingadores matou a ninja Elektra e ela, ao morrer, voltou à forma skrull.
Se Elektra era uma skrull, raciocinou o vingador clandestino Luke Cage, qualquer um poderia ser. Até sua mulher, Jessica Jones. Ou mesmo, e talvez principalmente, Tony Stark, o Homem de Ferro, que ao final da Guerra Civil foi quem mais ganhou poder político e deu o emprego a Norman Osborn.
A Mulher-Aranha desertou dos Vingadores secretos para avisar Tony Stark sobre a ameaça skrull. Stark ficou preocupadíssimo. A divisão entre os heróis tornou-os cegos para isso.
Ao longo de 2008, o grande evento da Marvel nos Estados Unidos, "Invasão Secreta", mostrou como os heróis, enfraquecidos pela divisão causada por eles próprios, enfrentaram o problema.
O evento terminou lá fora na semana passada.
Ao final dele, a lei de registro não foi revogada, então os heróis clandestinos continuam na clandestinidade. Mas o mais chapa-branca de todos os heróis, o Homem de Ferro, agora teve que se tornar clandestino porque o presidente acha que ele não conseguiu desempenhar direito suas funções. Tony Stark passou a ser o homem mais caçado dos Estados Unidos. Tal como o Capitão América antes dele, por sua própria mão.
O novo grande herói oficial, agora, é Norman Osborn, o Duende Verde. Os desdobramentos disso, em 2009, prometem ser muito interessantes: novamente teremos histórias de heróis contra vilões, não mais de heróis contra heróis. Mas, desta vez, os vilões estão oficialmente no papel de heróis (embora o leitor saiba exatamente quem é quem).
No fim, como eu mencionei antes, os quadrinhos da Marvel acabaram virando uma interessante fábula sobre como funcionam e a que leva a lógica da polarização.
Um comentário:
Marcelo, você tem o contato do Fabiano? Não acho nenhyuma forma de comunicação no Deu no Jornal. Um abraço e obrigado pela dica.
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