Em junho do ano passado, subi o morro da Providência pra fazer uma reportagem sobre a morte de três rapazes entregues por militares à gangue que comanda uma favela rival. Hoje, a favela volta ao noticiário porque a polícia deu uma batida e matou um guri acusado de ser traficante.
Vocês lembram do caso das três mortes? Era um caso complicado. O morro estava em obras, num projeto apadrinhado pelo senador Marcello Crivella e tocado pelo Exército. Como fora usado em propaganda eleitoral do senador para prefeito, o projeto foi suspenso. Como os militares causaram a morte dos guris, descobriu-se que o Exército não tinha nada que estar lá - só estava porque o projeto era do senador, que é do partido do vice-presidente, que foi ministro da Defesa.
Pros milicos, a suspensão da obra foi uma bênção. É bom pro pessoal esquecer o fiasco. Pra favela, porém, foi um desastre. A obra empregava 150 garotos da favela, e estimava-se que um terço deles em algum ponto da curta vida havia trabalhado para o tráfico. Nesse trampo, independente de seu mérito político, eles tinham a chance tripla de ajudar a comunidade, sustentar a família e aprender uma outra profissão.
Sem o trabalho, eles mesmo diziam, estariam expostos ao desemprego e aos pedidos de favores de caras com quem cresceram juntos. Favores que podiam render uns trocados muito bem-vindos. Favores perigosos.
Conversei com alguns desses caras, inclusive com um que se identificou como irmão mais velho de Marcos Paulo, um dos três guris que morreram. Aos vinte e seis anos, o cara tinha quatro filhos. Até ontem, ele tinha mais um irmão, que foi exatamente o sujeito que morreu baleado por policiais. A mãe deles nega que ele fosse traficante. A polícia diz que estava com armas e drogas.
Depois das mortes dos guris, no ano passado, o Exército desocupou a favela e aos poucos a imprensa tirou o olho de lá. Tem outras desgraças pra serem cobertas. A eleição passou; embora Crivella tenha perdido, ele continua com toda a mordomia que o Senado tem a oferecer a seus membros. O Exército está tranqüilo, até trocaram o juiz que cuida do processo contra os milicos que jogaram os guris na mão dos traficantes da outra favela.
Só quem se ferrou foi quem ficou na favela. Os empregos saíram, os tiroteios voltaram. Dona Maria de Fátima, por exemplo, perdeu dois filhos em menos de um ano.
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