No Estadão de hoje, a Patrícia Villalba reclama da turma do "até parece":
- Para ver novela é preciso saber brincar de novela, e não tem coisa mais chata do que comentar novela com quem não sabe brincar de novela. É aquela turma do "até parece que": "até parece que o povo fala português na Índia", "até parece que uma mulher em crise com o marido se arriscaria a hospedar a Letícia Sabatella em casa" e por aí vai.
Não é coisa que vitime os roteiristas de cinema, principalmente os de Hollywood. Já os autores de novela, de quem nos sentimos íntimos, vivem sendo questionados por experts de plantão. A gente querendo ver o circo de Bia Falcão pegar fogo em Belíssima, e uns e outros dizendo por aí que as ações de uma empresa não podem ser divididas assim, em 49% e 51%. Ai, ai.
Assim não dá, tem de acreditar!
Permita-me discordar. Suspensão da descrença tem limite - e olha que meu tipo favorito de ficção, hoje em dia, é o dos gibis.
Eu aceito numa boa que um sujeito venha de outro planeta com jeitão de humano boa-pinta, voe, solte raios dos olhos, use a cueca para fora da calça e esconda sua identidade secreta penteando o cabelo pra trás e usando óculos, desde que aspectos importantes do funcionamento do resto do mundo me sejam plausíveis. O padrão-ouro disso é Watchmen, que qualquer noveleiro pode conferir no cinema a partir de sexta se tiver preguiça de ler o gibi. (Tomara que o roteirista não tenha deixado a peteca cair.)
Hoje em dia, nem em gibi --exceto talvez os do tosco do Jeph Loeb-- um vilão consegue ser tão caricaturalmente vilanesco quanto as de novela, com direito a discursos grandiloqüentes explicando seu plano maligno a um herói que está nas últimas mas se solta por um fio de cabelo. Nem em gibi tosco, imagino, indianos explicam a outros indianos na mesa que "aqui na Índia" é assim ou assado. Aliás, acho que nem em Bollywood a Índia é hoje um país tão retrógrado e supersticioso quanto isso que aparece na novela.
O nó górdio de quase toda a produção ficcional brasileira, há décadas, é o roteiro. Antigamente se justificava em parte por falta de grana pra produzir, mas hoje grana não falta nem pra fazer cinema: a renúncia fiscal banca tudo. Enquanto noutras latitudes o roteiro vai se profissionalizando, por aqui ele geralmente se infantiliza no nível mais raso de suspensão da descrença, o do "mas é que isto é ficção, então vale tudo". Eu, pessoalmente, acho que dá pra fazer roteiro bom e divertido sem escorregar nessa casca de banana. Não precisa nem ser complexo, só precisa ser coerente.
Enquanto até a crítica justificar o vale-tudo mais rasteiro, que torna o Super-Homem mais plausível que a Flora, prefiro continuar lendo gibi. Sou chato? Sou. Mas novela é bem mais.
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