Ao relatar sua experiência nos Estados Unidos, no livro "América", Monteiro Lobato cunha uma de suas mais famosas frases ao contar como é a Biblioteca do Congresso: "Um país se faz com homens e livros". Mas ele não pára aí - segue o raciocínio:
- Com homens e livros. Nos livros está fixada toda a experiência humana. É por meio deles que os avanços do espírito se perpetuam. Um livro é uma ponta de fio que diz: "Aqui parei; toma-me e continua, leitor".
Mr.Slang, o carismático personagem criado por Lobato em "Mr. Slang e o Brasil", explica o porquê de haver defronte ao Congresso americano uma das bibliotecas mais completas do mundo (veja aqui seu acervo):
- Parece que a idéia foi não permitir excusa de ignorância aos legisladores. Com tal base de experiência humana ao alcance, caso não legislem a contento não será por falta de meios informativos. O "não sei", o "não sabia", fica desse modo proibido. Esta imensa mole de livros, deliberadamente ereta diante da casa dos legisladores, põe-nos em bem dura situação. Talvez a malícia de Lincoln haja colaborado nisso...
Bota malícia nisso. Lincoln não dava ponto sem nó. Brad Meltzer, um dos melhores escritores de quadrinhos da atualidade (leia Crise de Identidade, recém encadernada pela Panini Brasil), é antes de mais nada um ótimo escritor de romances policiais. Seu livro mais recente, "O Livro do Destino" (baixe aqui o primeiro capítulo), foi lançado há pouco no Brasil. Nele, Meltzer intercala uma sólida trama policial com detalhes arcanos do planejamento urbano de Washington. Este inclui simbologias para todo lado - cortesia de Lincoln.
Mas não é esse o assunto de hoje.
Na edição brasileira, o livro de Meltzer custa R$ 49,90. Não é exatamente barato, apesar de ser um livro muito bom. Se você lê em inglês, porém, pode encontrar a mesma obra, em "paperback" (formato pequeno, impresso em papel jornal), por R$ 21,01. Eu achei em promoção e paguei R$ 16,80. Se você preferir, pode comprar no site uma cópia já lida por R$ 10,51 - ou pouco mais de um quinto do preço do nacional. Com a vantagem de não estar exposto a eventuais erros de tradução.
Tudo bem, você pode argumentar: é um livro de entretenimento, de consumo rápido. Eu li as mais de 600 páginas em três dias. Mas livros mais sérios também obedecem aos mesmos padrões.
Um dos mais interessantes livros sobre economia lançados nos últimos anos é "Freakonomics", de Steve Levitt e Steven Dubner. Eles usam as ferramentas da análise econômica para analisar fenômenos da sociedade, com rigor e humor. O Shikida adota em suas aulas de economia. Eu adoto nas minhas aulas de jornalismo investigativo.
A edição brasileira, publicada em 2005, custa R$ 52 e tem 266 páginas. A que eu tenho em casa não é essa: é a edição britânica, publicada em paperback neste ano. Além do texto original, ela dispõe de uma reportagem de Dubner na New York Times Magazine sobre Levitt e de alguns outros artigos da dupla. Custa R$ 22,01 - menos da metade do preço da nacional.
No Brasil, lê-se pouco mas lê-se bonito. Todas as edições brasileiras, inclusive as populares e de bolso, são impressas com capricho em papel resistente. Isso faz com que seus preços dificilmente baixem de R$ 15. Ou pouco menos do que eu paguei em cada compra de livro.
Assim, se você resolver ir à livraria com R$ 52 no bolso para comprar o "Freakonomics" nacional, pode ir para casa levando uma versão ainda melhor do livro, um ótimo livro para tardes chuvosas e ainda por cima tomar um expresso com coxinha.
Claro, para isso você precisa atender às seguintes condições:
1) Ter o hábito de ler e garimpar livros;
2) Ter os R$ 52 no bolso;
3) Virar-se confortavelmente com a língua de Ian Gillan.
Isso, devo dizer, é a minoria da minoria da minoria. Não que eu esteja reclamando disso - acho ótimo pagar mais barato por uma versão melhor de um ótimo livro. O que me intriga é por que diabos os livros brasileiros são tão caros.
Somos um país de semi-analfabetos. Embora o acesso à educação venha aumentando, isso não se reflete na qualidade do ensino. Há uma pesquisa interessante sobre isso, do Instituto Paulo Montenegro, ligado ao Ibope. Entre os brasileiros com ensino médio ou mais do que isso, em média 6% são alfabetizados mas mal conseguem identificar as palavras do que lêem. Dentre os que têm da 5ª à 8ª série, mais de 24% só fazem isso.
Ou seja: esse pessoal sabe ler o bastante para identificar palavras mas não consegue compreender textos inteiros. Isso é a definição clássica de analfabetismo funcional.
A circulação dos grandes jornais hoje é menor do que um terço do que já foi em 1996. Naquele ano, uma edição dominical da Folha tirava mais de um milhão de cópias. Hoje, se tira 400 mil, é de se comemorar. Nos livros está o fio da meada que dá substância ao conhecimento, nos jornais está um certo grau de acompanhamento do que fazem os servidores públicos que elegemos.
Necessariamente esse alheamento redunda em uma queda na qualidade da política nacional. Não apenas na qualidade dos representantes, mas na vida política como um todo - que se manifesta em coisas corriqueiras, como a escolha do meio de transporte a usar para ir ao trabalho, e em coisas "maiores", como protestos contra políticas de governos.
Ocorre que nossa elite econômica não é necessariamente origem e nem destino da elite cultural. Esta, por sua vez, muito dificilmente é origem ou destino da elite política.
Ainda outro dia, comentando com amigos sobre o famoso movimento "Cansei", eu comparava o barulho que fizeram ao choro de um bebê. Ele manifesta uma inquietação legítima, embora a criança não saiba dizer se chora de fome ou por estar com a fralda suja. Aos poucos, conforme aprende um pouco mais sobre os caminhos da vida, poderá pedir mamadeira ou penico. Mas pra isso é preciso um grau a mais de informação.
Se um país se faz com homens e livros, como escreveu Lobato, vai demorar para termos um país que se preze.
2 comentários:
Bah....esse teu blog ta muito bom, li esse posto, gostei é um assunto que tem que vir à baila, ler,ler..
e fui lendo, lendo, achei sensacional a historia da pose da monica Veloso, fiquei arrepiada com o relato do guri que matou o Tim LOpes. Pra mim esse blog é melhor que a VEja, que a época, pena que não tenha publicidade milionária
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