sábado, 20 de outubro de 2007

Sem lenço e sem documentos

Deu no Josias de Souza:

    Vem aí um memorial: A propósito, Niemeyer acaba de receber uma encomenda para criar um Memorial dos Presidentes da República. Lula deu a idéia a José Roberto Arruda. E o governador do Distrito Federal encomendou o projeto ao arquiteto. Lá ficarão todos os documentos amealhados pelos presidentes enquanto ocuparam o cargo.

Em que pese o custo de construir um prédio desses, a idéia é muito boa.

Seria muito útil saber que existe um lugar onde se possa ter acesso às ordens de Getúlio Vargas durante o Estado Novo, às planilhas dos "Cinco Anos em Cinco" do Juscelino Kubitschek, aos famosos bilhetinhos de Jânio Quadros, à documentação que circulava pelo gabinete de Médici durante o regime militar, às trocas de memorandos enquanto Tancredo estava no hospital etc. Útil pra caramba.

O problema é combinar com os russos. Hoje, esses documentos estão pulverizados pelo Brasil - em instituições determinadas ou sob o colchão de alguém. Mal se sabe que tipo de informação foi mantida e que tipo de informação foi parar no lixo.

Apenas para citar um caso recentemente mencionado no noticiário, os papéis produzidos e manuseados por Fernando Collor de Mello durante sua Presidência foram negados ao Arquivo Nacional, como noticiou recentemente a Folha. Passados quinze anos, muitos dos documentos mais sigilosos já poderiam ser abertos.

O Arquivo Nacional mantém na internet um Centro de Informação de Acervos dos Presidentes da República, com dados sobre onde estão mantidos os papéis dos ex-governantes.

Suponha, por exemplo, que você queira fazer uma pesquisa aprofundada sobre os planos econômicos da redemocratização, do Cruzado ao Real. Para isso, você precisaria ter acesso aos documentos utilizados por ministros e pelo presidente da vez para a discussão das medidas. Supondo que tais documentos ainda existam, você precisaria visitar pelo menos São Paulo, Juiz de Fora e São Luís - correndo o risco de bater com o nariz em algumas portas e com a certeza de sair com a pesquisa incompleta:

    Fernando Henrique Cardoso: Os documentos estão no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo (SP). Há 10 mil fotos, 280 mil negativos, 2.500 fitas cassete, 3.000 caixas de documentos textuais e 2.500 "documentos tridimensionais". O acesso, porém, é restrito enquanto o instituto prepara sua base de dados.

    Itamar Franco: O acervo está em poder do Fundo Itamar Franco, em Juiz de Fora (MG). As fotos e objetos estão expostos em vitrines. Os documentos estão num depósito separado, em caixas identificadas. Constam do acervo "diários oficiais, correspondência oficial e a de populares que recebeu como presidente da república (esta está sendo identificada para inserção em uma base de dados)". Se você quiser pesquisar a formulação do Plano Real, vai encontrar pouco além da correspondência.

    Fernando Collor de Mello: O acesso foi negado ao Arquivo Nacional. Não se sabe o que há nele. O detentor seria o próprio Collor. Hoje, não há lei que obrigue um ex-presidente a tornar públicos seus arquivos.

    José Sarney: Os documentos estão em poder da Fundação José Sarney. São 2 km de estantes, somando tudo. Constam ali "correspondência, produção intelectual, documentos pessoais, recortes de jornais, anais da assembléia". Pouca coisa do que interessaria a um pesquisador dos planos Cruzado e Bresser, aparentemente.

Pois vejam como funciona nos EUA, que tem uma lei de direito de acesso a informações públicas desde 1966. Desde 1978, com o Presidential Records Act, é consenso que todos os documentos dos presidentes pertencem ao Estado, e não ao político. Reparem que isso é quatro anos após a queda de Nixon, em que o acesso quase acidental às fitas gravadas por ele forneceu provas importantes no processo de impeachment.

Há um site do Arquivo Nacional americano que mostra onde ficam essas bibliotecas presidenciais. O Registro Federal edita uma publicação informando o que há nesses arquivos. Estão na internet instruções para obter esses papéis. As mesmas regras e prazos valem para todos. Guias online para a pesquisa informam que tipos de documentos estão disponíveis.

Atualmente, um dos maiores escândalos da política americana é a revelação de que e-mails da Casa Branca têm sido deletados com muita freqüência. Percebam: os e-mails de um presidente e de seus assessores são considerados documentos públicos. Karl Rove, o complicado ex-assessor de Bush, precisou explicar à Justiça por que raios ele apagou várias mensagens. Disse que foi sem querer. Querendo.

Alguém aí sabe o que os presidentes FHC e Lula fizeram com os emails que mandaram e receberam? Não gostariam de saber o que havia nas caixas postais de Eduardo Jorge e José Dirceu?

Sem o acesso às informações realmente relevantes, o museu periga ser tão útil quanto este meigo site feito pelo governo para informar as crianças sobre quem foram os presidentes.

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