A revista Vanity Fair de novembro já está na internet. Ela traz um tocante artigo do colunista Christopher Hitchens sobre Mark Daily, um soldado americano que morreu no Iraque aos 23 anos, recentemente. Contrário à guerra por natureza, Daily decidiu se alistar depois de ler um artigo de Hitchens defendendo os motivos do ataque ao Iraque.
De certa maneira constrangido com isso, Hitchens procurou os pais do soldado e reflete sobre a morte:
- Em seu brilhante livro "O Que é a História?", o professor E.H.Carr se questiona sobre a causação última. Tome o caso de um homem que bebe um pouco demais, toma o volante de um carro com freios defeituosos, vira numa curva fechada e atinge outro homem, que está atravessando a rua para comprar cigarros. Quem é o responsável? O homem que se passou na bebida, o desleixado que inspecionou os freios, as autoridades locais que não corrigiram uma curva perigosa ou o fumante que resolveu atravessar a rua pra satisfazer seu mau hábito? Então, Mark David foi morto pela rixa de Baathistas e binladenistas que colocam bombas onde elas farão mais estrago? Ou pela doutrina Rumsfeld, que manda soldados americanos ao Iraque em número insuficiente e com equipamento inadequado? Ou pelo governo Bush, que pensou que o Iraque seria facilmente pacificado? Ou pelo governo do Bush anterior, que deixou Saddam Hussein no poder em 1991 e fatalmente adiou a hora de acertar contas?
Essas grandes questões não podem obscurecer, ao menos para mim, o fato simples de que Mark Daily foi à guerra por sentir um compromisso moral.
Hitchens apoiou consistentemente a ida dos Estados Unidos à guerra do Iraque. Isso o tornou bastante polêmico - mais do que já era antes disso, quando era considerado um polemista "liberal" (nos EUA, liberal é alguém de centro-esquerda). Concorde ou não com Hitchens - e eu, no lugar dele, acho que reavaliaria pelo menos a veemência de meus pronunciamentos a favor da guerra -, o artigo merece ser lido com atenção.
A Vanity Fair tem uma longa tradição de excelência. Ao lado da New Yorker e da Atlantic Monthly, ela traz alguns dos melhores textos e reportagens do jornalismo americano.
Melhores do mundo
Desde o ano passado, a revista tem em sua equipe dois dos melhores repórteres investigativos do mundo: Don Barlett e James Steele. Nos anos 70, orientados pelo mestre Phil Meyer, eles começaram uma tradição de grandes reportagens aprofundadas em dados sobre a vida, a economia e a política americanas. Na edição de outubro, sua reportagem tratou do sumiço de toneladas de dinheiro vivo enviadas ao Iraque.
Troquei alguns e-mails com Steele no final de 2005, quando a dupla ainda trabalhava na revista Time. Queria a opinião dele sobre uma idéia que eu tinha sobre fazer um grande banco de dados sobre os políticos que se candidatariam nas eleições de 2006. Ele deu algumas sugestões que me deixaram otimista.
- Cada vez em que leio e releio o email que você me enviou, chego à conclusão de que você não precisa de muita ajuda minha. Parece que você já pensou em tudo. Seu projeto, como você o visualiza, é uma tentativa ambiciosa de chamar os políticos a prestar contas. Parece-me bem concebido e poderia prestar um valioso serviço público aos eleitores no Brasil. Você pergunta: qual seria um bom caminho a seguir? Eu diria que adaptar essas idéias à eleição nacional seria um esforço fabuloso.
Não sei de nenhum jornal dos EUA que tenha feito isso em nível nacional. Então, o que você está propondo é bastante promissor.
Se você quer criar um banco de dados de todos os que estiverem concorrendo, entre os pontos que seria ótimo observar estariam:
1. Qualquer acusação criminal contra eles.
2. Anos como legislador, polítíco, etc. (se tiver)
3. Patrimônio ou renda (se disponível)
4. Leis que propôs.
5. Empresas ou interesses privados que se beneficiaram de leis que eles propuseram.
(...) Projetos grandes podem nos deixar muito humildes. Como vamos terminar tudo? Teremos a energia e a força de vontade para terminar? Terei paciência para ir até o fim? Acho que todos nós que fazemos grandes projetos de longo alcance nos fazemos essas perguntas durante o trabalho. Mas é claro que vale a pena.
A carta é de novembro de 2005, quando eu estava em minha fase final na Abraji. Em março, apresentei a idéia à Transparência Brasil. Em 1º de agosto, a versão completamente madura dessas idéias virou o projeto Excelências, vencedor do prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa no ano passado.
Pouco depois de a bola do Excelências começar a rolar, porém, Steele e seu colega Barlett foram demitidos da Time. A revista alegou corte de custos (é caro manter excelentes repórteres). Poucos dias depois da demissão, outra revista do grupo Time pagou US$ 4 milhões por fotos exclusivas da primeira filha do Tom Cruise. Perdi contato com ele, e se ele soube do sucesso do projeto foi por meio do mestre Meyer. Fiquei feliz quando soube que eles estavam na Vanity Fair, mas não tive tempo de procurar seu e-mail.
Vou atrás dele hoje - preciso comentar a reportagem recente da dupla.
Nenhum comentário:
Postar um comentário