Na Irlanda do Norte, a companhia de tratamento de água gastou 12 mil libras desde 2003 comprando... água mineral. Isso não inclui as 9.500 libras gastas comprando água mineral para distribuir a consumidores em tempos de crises de abastecimento. O dado foi obtido por meio da lei de acesso a informações públicas.
Isso é que é confiar no próprio produto, diria um espírito-de-porco.
A humanidade ficou sem tratamento de água - algo fundamental para manter a saúde e evitar doenças simples - até o começo do século 19. Só em 1829 surgiram as primeiras estações de tratamento de água, na Inglaterra. Desde então, avançou-se bastante nisso, embora não o suficiente. Pelo censo de 2000, 78% das residências brasileiras tinham água tratada - pouco mais de três em cada quatro (baixe aqui o mapa do saneamento).
Nos últimos anos, porém, e cada vez mais, há uma ênfase em beber água mineral - que é geralmente tão segura quanto a da torneira mas muito mais cara. Já vi gente boa fazendo cara feia para a água da torneira (pela qual todos pagamos). No livro "A História do Mundo em 6 Copos", um dos melhores que li nos últimos anos, o jornalista Tom Standage conta:
- Na verdade, em nenhuma outra área o abismo entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento é mais aparente do que em suas atitudes em relação à água.
As vendas de água engarrafada estão explodindo, com os mais altos níveis de consumo, no mundo desenvolvido, onde a água da torneira é abundante e segura para ser consumida. Os italianos são os consumidores mais entusiastas do mundo, bebendo uma média de 180 litros por ano cada um, e são seguidos de perto por franceses, belgas, alemães e espanhóis. A indústria global de água em garrafa teve receitas em torno de 46 bilhões de dólares em 2003, e o consumo está crescendo 11% ao ano, mais rapidamente do que o de qualquer outra bebida. Os restaurantes servem água cara em garrafas com designs especiais, e o hábito de se carregar uma pequena garrafa plástica de água potável o tempo todo, que teve como pioneiras as supermodelos, difundiu-se pelo mundo. Pare num posto de gasolina nos Estados Unidos e você vai descobrir que a água em garrafa, litro por litro, custa mais do que a gasolina. Águas minerais de fontes específicas, desde a França até as ilhas Fiji, são enviadas a consumidores no mundo inteiro.
(...) Não há evidências de que a água engarrafada seja mais segura ou mais saudável do que a disponível nas torneiras das nações desenvolvidas e, em testes cegos experimentais de sabores, muitas pessoas não conseguiram estabelecer a diferença entre as duas. As diferenças de gosto entre águas engarrafadas excedem a diferença em gosto entre a água engarrafada e a de torneira. Mesmo assim, as pessoas continuam a comprar a primeira, muito embora custe entre 250 e dez mil vezes mais por litro do que a segunda. Em resumo, a água segura tornou-se tão abundante no mundo desenvolvido que as pessoas podem se dar ao luxo de afastar-se da água de torneira, que está debaixo de seus narizes, e beber em vez disso a água de garrafa. Como os dois tipos são seguros, a espécie de água que se bebe tornou-se uma escolha de estilo de vida.
Standage não fica apenas na órbita de onde a água é segura. Ele mostra como em muitas outras partes do mundo a água é um problema político, antes de tudo. Mas permanece a questão: por que raios uma empresa de água compra água?
A outra questão que fica não pode ser respondida facilmente porque não temos uma lei de acesso a informações públicas no Brasil: será que não é a mesma coisa com os DMAEs, SABESPs e CEDAEs do Brasil?
2 comentários:
não conheço nenhum estudo que ateste a qualidade da água de torneira brasileira, da qual, confesso, ainda desconfio bastante. no período em que morei n'além-mar, minha nóia com o consumo da água encanada era tanta, que chegava ao cúmulo de eu precisar encher garrafas de vidro e colocá-las na geladeira (desnecessariamente, pois aquilo lá era um gelo), para dar a impressão que eu iria beber água mineral. tonteirices de uma brazuca ainda não acostumada à gringolândia. abs e parabéns pelos últimos posts, que estão "muito massa", como se diz no recife.
Nas capitais ela é bem razoável. Também não conheço nenhum estudo a respeito, mas vale a pena procurar.
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