segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Jornalismo "top de linha", terceira edição


Desde 2006, a Investigative Reporters and Editors concede o prêmio Philip Meyer às reportagens de apuração mais complexa publicadas pela imprensa. “O prêmio reconhece os melhores usos de métodos da ciência social no jornalismo”, diz a descrição oficial. Trata-se do “top de linha” do jornalismo.

Meyer é um dos poucos profissionais a serem homenageados com o nome de um prêmio ainda em vida (os outros dois que conheço são Don Barlett e James Steele, que foram discípulos de Meyer). O velho mestre se aposenta de seu cargo de professor na Universidade da Carolina do Norte nos próximos meses, mas continua dando contribuições por um jornalismo de qualidade.

Em termos de dinheiro, o prêmio Philip Meyer é modesto comparado até aos prêmios brasileiros: US$ 500, US$ 300 e US$ 200, respectivamente. O significado do prêmio para o desenvolvimento do jornalismo, porém, é importante. Na inscrição dos trabalhos, é preciso descrever todo o processo de apuração. É a complexidade da apuração, e não o produto final ou seu impacto, que pesa mais na avaliação. As descrições dos trabalhos ficam, depois, disponíveis para os sócios da IRE, para que possam aprender com a experiência dos colegas.

Vale a pena conhecer esses trabalhos, especialmente para os que julgam ser o jornalismo de precisão algo como ficção científica. Sempre vale a pena dar uma olhada em trabalhos de referência como esses.

Publico aqui o resumo dos trabalhos vencedores da terceira edição:

1º lugar: Falsificando as notas, Dallas Morning Herald
A pauta é parecida com a do jornal da Filadélfia que ganhou o terceiro lugar em 2007, mas a execução foi mais ambiciosa. A série de três dias mostrou sérias evidências de fraude nos testes-padrão, por mais de 50 mil estudantes de escolas públicas e particulares do estado do Texas. O jornal foi o primeiro a fazer uma reportagem sobre isso, em 2004, quando ainda sequer havia o prêmio Philip Meyer. Desta vez, os repórteres Joshua Benton e Holly Hacker analisaram um gigantesco banco de dados de notas e respostas de testes de centenas de milhares de estudantes individuais que fizeram os testes ao longo de dois anos. O rigor empregado pela série fez com que o estado anunciasse controles mais fortes sobre as condições em que os testes são feitos nas escolas do Texas, para se adaptarem aos métodos estatísticos de detecção de fraudes usados pelo jornal.

2º LUGAR: Questão de vida ou morte, Atlanta Journal-Constitution
A pena de morte ainda é lei em vários pontos dos Estados Unidos. Em alguns estados, porém, ela é mais cruel. Em 1972, uma decisão da Suprema Corte americana classificou a aplicação da pena no estado da Geórgia – o mesmo onde se passa o filme “E o Vento Levou” – como “arbitrário e capcioso”. Nessa série de quatro duas, os repórteres Bill Rankin, Heather Vogell, Sonji Jacobs e a analista de bancos de dados Megan Clarke mergulharam em dados de 2.300 condenações por assassinato registradas desde 1995. Paralelamente, a pesquisadora Alice Wertheim fez um banco de dados com as condenações a pena de morte desde 1982. Os jornalistas fizeram diversas análises nos dados e conseguiram demonstrar que as condenações à pena de morte variavam de acordo com características demográficas dos réus e com o lugar onde viviam. Com isso, o Legislativo estadual decidiu considerar mudanças nas leis de pena de morte e o Judiciário local tomou iniciativas para melhorar o processo de revisão dos casos.

3º LUGAR: Empresas de Seguro - Serviço ou Safadeza, Kansas City Star
Três repórteres passaram quase um ano analisando um banco de dados com mais de 35 milhões de registros de reclamações contra mais de 2.400 companhias de seguros dos Estados Unidos. A idéia era verificar quais são as reclamações dos clientes dessas empresas e como elas respondem a isso. A preocupação com o consumidor, segundo descobriram os repórteres Mike Casey, Mark Morris e David Klepper, varia muito conforme a empresa, o lugar do país e o tipo de cobertura. Logo na primeira reportagem, era mostrado o caso de uma mulher cujo plano de saúde não cobria internação hospitalar – e ela só descobriu isso ao receber uma conta de US$ 16 mil. Na última reportagem, o jornal demonstrava que as empresas de seguros passam por virtualmente nenhuma supervisão pública e que os encarregados pela pouca supervisão que há vêm das próprias empresas em que devem ficar de olho. A partir da análise do jornal, o Legislativo Americano passou a propor mudanças na regulamentação dos planos de seguros.

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