Oscar Pilagallo definiu o Brasil como "um país que avança em sobressaltos". O debate sobre o direito de acesso a informações públicas no Brasil não foge a essa regra.
O caso dos cartões corporativos colocou o direito de acesso na pauta da sociedade, ainda que de maneira simples. Até que ponto é aceitável a desculpa dos motivos de segurança pra vedar o acesso? Ministros do STF dizem que não precisa de sigilo; o presidente da República, por sua vez, quer seus gastos fora da internet - numa frase infeliz, inaceitável, ele declarou que o Brasil "tem sigilo de menos".
Até recentemente, o conceito de direito de acesso só tinha ressonância quando se tratava do acesso a documentos da ditadura. Agora, já se está falando de acesso a dados de gastos públicos. A quantidade de acessos diários ao portal da transparência do governo federal praticamente decuplicou desde o início do escândalo devido à curiosidade pública, e isso é muito positivo. Com o debate sobre os cartões corporativos, o governo de São Paulo começou a informatizar seus dados pra colocá-los na internet e a governadora do Pará apresentou projeto pra tornar públicos os gastos de lá.
Os sobressaltos que empurram o direito de acesso não começaram com os cartões corporativos. Não vão parar neles.
Em 2004, com o caso do Herzog errado, criou-se uma pressão da sociedade civil que primeiro fez o governo recuar no decreto do sigilo eterno e hoje continua apertando para que sejam liberados os documentos sobre as mortes no Araguaia.
A série de denúncias sobre o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, resvalou em certo ponto em dossiês preparados pelo senador alagoano a partir de como seus colegas usavam as verbas indenizatórias. Isso forçou suas excelências a aceitarem a idéia de abrir os gastos na internet - ainda que com quatro anos e três meses de atraso, eles devem estar na internet nas próximas semanas.
Os próprios dados dos cartões corporativos só estão na internet por causa de um escândalo anterior, em 2005. Aliás, por causa de revelações da imprensa entre 2002 e 2004, no ano retrasado a Justiça Eleitoral inaugurou o costume de pôr à disposição de todos os interessados os dados de patrimônio dos candidatos.
Quem está observando a cobertura do caso dos cartões corporativos e já observou a cobertura de como os deputados gastam as verbas indenizatórias pode observar padrões interessantes. Há revelações escandalosas e há revelações Porcina, que são sem nunca ter sido. Mas tudo isso só é possível porque o dado está disponível. E só está disponível por causa dessa pressão civilizatória.
Resta pressionar pra que cada vez mais informação se torne pública. Os intestinos do funcionamento do estado precisam estar disponíveis pra que todos possam verificar o que neles se passa.
Mas tudo isso será apenas paliativo se o Brasil não começar a discutir uma lei que garanta o direito de acesso e diga claramente que tudo o que não está claramente carimbado como sigiloso, obedecendo a critérios muito bem definidos, é público e deve ser imediatamente fornecido a quem tiver interesse, incorrendo em duras penas quem negar o fornecimento. Temos a internet, que facilita bastante a questão dos custos. É mais barato e produtivo colocar informações importantes direto na internet do que pagar um barnabé pra ficar lá esperando o cidadão comparecer pra pedir informações.
Ah, sim: sempre vai haver quem use essas informações pra questionar o governo. Mas isso faz parte da democracia. Melhor ser questionado com base em informações públicas do que ser fustigado por um escândalo ocorrido completamente por baixo dos panos. Não é mesmo?
No mundo inteiro, 68 países já têm leis que garantem o direito de acesso a informações públicas. Na África, o Zimbábue já tem sua lei e a Nigéria está avançando na implantação. Por aqui, o direito de acesso a informações públicas ainda é o mais desconhecido direito fundamental do cidadão.
Saiba mais sobre o assunto neste texto que escrevi outro dia. Siga todos os links e vai virar craque antes mesmo do próximo sobressalto.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Avançando aos sobressaltos
Postado por Marcelo às 12:23
Marcadores: cultura política, direito de acesso
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2 comentários:
só não confunda seus leitores. se eu não morasse aqui, talvez confundisse os pouco contemplados estados do Pará e do Paraná.
Ops! Meus dedos devem ter se empolgado na digitação e botaram letras a mais. GovernadorA só tem no Pará, a menos que se considere a dona Maria... *risos*
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