quarta-feira, 26 de março de 2008

A cultura da informação privatizada

Tem sido interessante observar a mais nova reviravolta do caso dos cartões corporativos do ponto de vista do direito de acesso a informações públicas.

Leia esta notícia, por exemplo:

    FHC autoriza acesso a gastos em seus mandatos

    Valor Online

    BRASÍLIA - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em carta ao líder do seu partido no Senado, Arthur Virgílio (AM), autorizou ontem o acesso da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos cartões corporativos às informações sobre os gastos do gabinete da Presidência da República durante seus dois mandatos e defendeu a abertura do sigilo das mesmas contas da atual gestão petista.

As informações sobre os gastos durante qualquer governo são públicas ou são de propriedade do ocupante do governo? Suponho que sejam públicas, não? Não faria sentido o Reino Unido depender, digamos, da vontade pessoal da Margaret Thatcher de autorizar ou desautorizar o acesso aos documentos sobre a Guerra das Malvinas para fins de investigação no Congresso. Aliás, por lá há uma briga semelhante, agora: os membros do Parlamento andam numa queda-de-braço pra não divulgar quanto gastam com suas residências eleitorais.

A "autorização" do ex-presidente se dá após reportagem da revista Veja sobre o dossiê recolhido pelo governo sobre os gastos do governo anterior com os cartões corporativos. A base governista tem se atrapalhado para explicar: não seria bem um dossiê, e sim um levantamento do Tribunal de Contas da União para atender a um eventual pedido futuro da CPI, mas dados selecionados já teriam vazado nas rodas políticas, caracterizando uso politiqueiro dessa informação.

Enquanto isso, no Congresso, parlamentares já reclamaram abertamente que, se não fosse a Veja meter o bedelho, a CPI já estaria rumando para a extinção sem que nunca tivesse funcionado:

    “Não acredito que tenha origem no governo, o fato é que a CPI já estava morta e alguém interessado em acirrar os ânimos entre PSDB e PT colocou esse suposto dossiê. Acho que foi uma gota de veneno numa fogueira que já estava sem chamas”, declarou o vice-presidente do Senado, Tião Viana (PT-AC).

O governo nunca quis, por todos os motivos óbvios e mais aqueles sobre os quais foi decretado sigilo. A oposição até defendeu no começo, com discursos inflamados, mas ao ver que a sua batata também podia assar, esperou a fogueira baixar e já se preparava para saltar fora. Ou seja: é do interesse do governo e da oposição não prestar contas à sociedade e não investigar nada.

O pouco que aparece, a conta-gotas e por baixo dos panos, é útil como munição lá entre eles, privadamente. O problema, pra todos eles, dos dois lados do Gre-Nal, foi o fato de a questão ter se tornado pública. A "autorização" pessoal do ex-presidente não passa de retórica: os dados sobre todos os gastos públicos estão em poder do Tribunal de Contas da União. Cabe à CPI ou à Justiça requisitá-los.

Enquanto isso, este texto apontado pelo Shikida dá conta de que o Portal da Transparência do Governo Federal não atualizou os dados de gastos com o cartão corporativo feitos nos últimos dois meses.

Ou seja: a divulgação de boa parte dos gastos vinha andando bem, apesar do excesso de sigilos, até que a própria publicação dos dados, motivada por escândalo anterior, causou um novo escândalo. O Portal da Transparência do governo federal, que divulga como são os gastos públicos, ficou quase tão popular quanto os sites de fofocas do Big Brother.

De repente, o escândalo deixa de ser o assunto da vez e, da mesma forma como os parlamentares esperavam que a CPI morresse abafada, a fonte das informações - uma das iniciativas mais louváveis desse governo - secou.

Isso significa o seguinte: o direito de acesso a informações públicas, no Brasil, é privatizado. Era para ser de todos, para que todos possam fiscalizar como o poder público gasta o dinheiro dos nossos impostos. Na prática, porém, só funciona ao sabor das vontades da pequena classe política, especialmente como cartas de super-trunfo em seus joguinhos de salão pagos com o nosso dinheiro.

Governistas e oposicionistas, por não quererem prestar satisfações à sociedade, têm lugar de destaque na seção Gente que Não Presta deste blog.

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