Tenho debatido com alguns caras muito bons a criação de um projeto colaborativo para a cobertura das eleições municipais deste ano em São Paulo. O projeto abriria espaço para a participação dos leitores. Temos várias idéias interessantes, que serão implementadas nos próximos meses. (Aliás, era sobre esse projeto que eu iria falar durante o fórum de jornalismo participativo em Los Angeles.)
Como bem sabe quem lê este blog, tenho algumas reservas quanto a colocar a produção de jornalismo apenas nas rédeas dos leitores. Gosto da expressão em inglês "Pro-Am", uma mistura de profissional com amador. Acho que a conta do conteúdo colaborativo só fecha se o profissional e o amador colocarem em sintonia o que ambos têm de melhor: de um lado, o olhar prático e técnico de quem está acostumado a apurar e editar; de outro, a ubiqüidade dos olhos e ouvidos e o foco de quem está no meio do furacão.
Venho observando algumas iniciativas brasileiras de conteúdo colaborativo. Nem sempre com olhos muito bons. Vejo muito palpite e pouca informação. Possivelmente por falta de foco e orientação da maior parte das iniciativas. É um erro em que não pretendemos incorrer no nosso projeto.
Um bom exemplo dos perigos dessa falta de foco e orientação apareceu hoje no BrasilWiki. Um leitor postou o seguinte: em visita a uma cidade do interior de Santa Catarina, sentou num banco de praça e um homem lhe disse que um hotel da cidade empregava mão-de-obra escrava. Ele escreveu o que ouviu e publicou. O texto foi tirado do ar pelos editores, por falta de elementos verificáveis, e ele reclamou, com esta exata digitação:
- Queriam o quê? Que eu apresentasse um mandado de busca, um boletim de oorrência? Escrevo de graça meus amigos.
Os editores responderam a ele com a cautela exata: não dá pra fazer uma acusação séria assim sem provas. Na caixa de comentários, porém, a cautela os tornou os vilões da história. Um usuário fez um comentário interessante:
- Já perceberam os Srs Leitores que o único link que tem rotatividade é o link Contos e Poesias? Já perceberam o desinteresse em publicar assuntos de Política e Economia? Já perceberam a debandada de pessoas deste quase chat? Pois então agradeçam aos editores da BrasilWiki, eles são especialistas em enxotar pessoas.
Fui olhar o que tem em política e economia no site. Praticamente só opinião, palpite e chute. Nada de notícia. Aliás, não vi nada de informação mesmo no site. Posso ter olhado pouco. A idéia é ótima, mas parece faltar qualidade de oferta.
Obviamente, a intenção dos editores do site não me pareceu ser a de "enxotar" ninguém, e sim garantir um conteúdo responsável. Mas, olhando as reações e olhando o conteúdo preexistente, parece que vai ser preciso um esforço muito grande de preparo dos amadores para que eles tenham condições de enxergar o que é informação e o que é publicável. Pareceu a reação de uma criança quando a babá tira uma faca de sua mão.
O que a frase do comentador do BrasilWiki mostra, porém, é que os colaboradores simplesmente não percebem a diferença entre uma acusação sem provas e uma boa informação. Daí ao espalhamento de boatos, informações "patrocinadas" e a velha destilação de veneno, é um pulinho.
O mais interessante de tudo é que o perfil desses colaboradores me parece semelhante ao dos que postam os comentários inflamados nos sites como Observatório da Imprensa e que-tais. Geralmente, acusando a imprensa profissional de irresponsabilidade. Não que não haja irresponsabilidade na imprensa. Há, bem mais do que devia. Mas a gritaria costuma apontar irresponsabilidade inclusive (e em alguns casos principalmente) onde não há.
Mesmo nos blogs, que já são uma forma de expressão mais consolidada, há problemas sérios de geração de informação, como bem aponta o Pedro Doria e provoca o Edney.
A questão é que a imprensa peca principalmente por falta de apuração. Entre as falhas, estão: abuso do declaratório, falta de documentação do que se publica, falha em ouvir o outro lado, editorialização do conteúdo. São exatamente as mesmas falhas que, em muitos blogs e principalmente no conteúdo amador, estão presentes em densidade muito maior. Porque não há sequer os cuidados básicos de apuração.
É um desafio e tanto, esse que temos pela frente. Pessoalmente, acho que o conteúdo amador não tem valor apenas por si. Vem com muito ruído, precisa ser lapidado - coisa que os serviços atuais não parecem ter pernas para fazer como deveriam. Mas, bem focado e orientado, pode ser uma boa matéria-prima a partir da qual se pode produzir coisas novas.
E vocês, o que acham? Costumam ler ou colaborar com esses serviços? O que acham deles?
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