quarta-feira, 12 de março de 2008

Como surge o marketing viral - e o que você tem com isso


No ano passado, mais ou menos por esta época, o George W.Bush veio a São Paulo. No meio do protesto contra ele, havia uma faixa dizendo "Fora Arkhos Biotech". Como os caras estavam vestidos de árvore, classifiquei-os como malucos e deixei pra lá. Semanas depois, a questão aparece na lista da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. A empresa aparecia num vídeo da internet, dizendo que queria comprar a Amazônia. Vídeos de "protesto" apareceram. ONGs denunciaram. O senador Arthur Virgílio denunciou a empresa.

Eu olhei cuidadosamente os vídeos e sites e deduzi: é marketing do Guaraná Antarctica (a bebida estava sendo consumida pelos "homens-árvore"). E quer saber? Era mesmo uma campanha de marketing do guaraná - um jogo virtual. Meses depois, o governador paranaense Roberto Requião também caiu no trote. Ainda tem gente que acredita que é verdade, pelo que vi outro dia nos comentários a um artigo meu reproduzido no Observatório da Imprensa.

A essa modernização da fábula do menino que gritava lobo, chama-se "marketing viral" - que se espalha "espontaneamente" por entre os usuários da internet. Sempre fiquei curioso, porém, em saber como começava a se espalhar. Obviamente, o começo da corrente é comprado. Mas como começa?

O Observatório da Imprensa traz hoje um artigo muito interessante dando algumas pistas sobre isso. Um sujeito que tem um blog sobre futebol reproduz um e-mail que recebeu de uma agência de publicidade, propondo uma "parceria". Essa "parceria" consistiria em ele publicar um post positivo sobre o site que a Nike criou em homenagem ao Ronaldo Fenômeno.

Trecho do e-mail recebido pelo sujeito:

    Caso vocês aceitem escrever sobre o Ronaldo e o resultado no blog, comentários e etc., for positivo, em uma outra oportunidade podemos, quem sabe, firmar alguma espécie de parceria, ok? Este post que estamos sugerindo, seria uma espécie de Post Piloto. Dando resultados dessa vez, surgindo novas campanhas pertinentes ao seu blog, poderemos conversar novamente, ok?

A mensagem dava inclusive prazo para a publicação do post positivo. Estes seriam os parâmetros do post encomendado:

    O post consiste em redigir um breve texto falando do fenômeno Ronaldo, suas conquistas no Brasil e no Exterior. O texto deve ser focado no enobrecimento do jogador, que adquiriu, através de suas conquistas, status de `fenômeno´. Dentro deste texto, ou ao final dele, deve ser inserido o link que dará acesso ao site http://nikefutebol.com/ronaldo. Procure motivar as pessoas a transmitir força ao jogador, convidando-os a criar um vídeo de comemoração de um gol, fazendo uso da marca registrada de Ronaldo, que é o dedo indicador direito erguido [há exemplos no site]. Procure também, enfatizar a opção de enviar mensagens diretamente no portal da Nike ou via SMS. O texto deve motivar as pessoas a dar este apoio de uma forma espontânea, fazendo referência à paixão pelo futebol e ao grande jogador Ronaldo.

O autor sugere que os leitores peguem trechos e coloquem no Google. Como estou meio sem tempo, preferi pesquisar só pelo link da campanha da Nike, no Google Blog Search. Vieram 42 resultados. Claro, alguns podem ser gratuitamente espontâneos. Mas vale a pena dar uma olhada nos posts pra ver quantos atendem aos parâmetros.

A Revista Imprensa deste mês traz alguns textos sobre o tal marketing viral. Um deles é uma entrevista com um praticante. Infelizmente, ela não está na íntegra.

Eu, pessoalmente, acho que isso é um convite à desinformação. É o aspecto mais evidente do ambiente atual da informação, em que todos estão tão confusos que a diferença entre propaganda e informação acaba sendo tratada como uma questão de gosto ou de opinião. É a queda do muro entre a sociedade da informação e a sociedade do espetáculo.

Indiretamente, tem tudo a ver com o ambiente hostil à liberdade de imprensa em que a Igreja Universal e o Paulinho da Força arquitetam a pulverização ações na Justiça pra calar a boca da imprensa. Imprensa boa, nesse ponto de vista, é a imprensa que só elogia.

Tendo a ver com isso, tem também a ver com os motivos pelos quais o relator da OEA para Liberdade de Imprensa, Ignacio Alvarez, renunciou ontem e deve deixar o cargo até abril:

    "La vulnerabilidad para el ejercicio del periodismo en las Américas es enorme. Los problemas siguen siendo los de siempre: algunos tan burdos como el asesinato de periodistas, hasta la discusión sobre cuál es el papel del estado en materia del pluralismo y la concentración de propiedad en los medios. (...) Los dos últimos años han sido muy complejos, de avances y retrocesos."

Todos esses são aspectos do mesmo fenômeno, que ainda tem seus contornos meio esfumaçados. Eu, pessoalmente, observo esse panorama com meu pé lá atrás. Caso aceitem conselhos, tenho alguns:

- Não repasse correntes.
- Não apóie qualquer coisa que possa ser marketing viral.
- Desenvolva meios de checar as informações que receber.

A única vacina contra a desinformação é a informação. Nesta época de pluralidade de canais de desinformação, trata-se de uma vacina tão fundamental quanto a da poliomielite. Faltam mais zés-gotinha nesse campo.

Um comentário:

Anônimo disse...

marketing viral. taí a única explicação para o "fenômeno" ronaldo