Hoje, em seu depoimento no Senado, a ministra Dilma Roussef inventou um ferrolho para o jogo de esconde-esconde da CPI dos cartões: dados sobre gastos de presidentes, segundo ela, devem ser revelados após o fim do mandato. Com isso, os cartões do FHC podem ser investigados e os do Lula só deveriam ser liberados "a partir de certo momento".
Ocorre que isso não é lei. Ela inventou na hora. Vale observar que ela também disse ter pedido uma consulta para saber o tratamento a ser dado ao banco de dados sobre gastos do governo anterior. A consulta teria sido pedida só agora, depois de todo o escÂndalo. Ou seja: ela já é ministra há um tempão, o banco de dados vem sendo montado há uma data, mas não existe clareza no governo sobre que informações são ou não públicas. Na dúvida, servem como cartas no jogo de salão da política brasileira.
O grande problema do Brasil, no tocante a dados governamentais, é que as leis que tratam de acesso a informações públicas são vagas e praticamente virgens de regulamentação. Quando se regulamenta, trata-se de sigilo, não de fornecimento de informações. O decreto hoje vigente estabelece algumas classes de sigilo sobre documentos. Mas não há uma regulamentação clara, por exemplo, de em que categoria se devem colocar os gastos de um presidente. Veja lá.
Em contraste com isso, vale a pena ver a série de reportagens que o Valor Econômico começou a publicar ontem. O repórter Ricardo Balthazar, em Washington, solicitou ao governo americano, por um requerimento formal com base no Freedom of Information Act, todos os documentos que tratam da eleição do Lula como presidente. Os documentos de algumas classificações de sigilo são liberados em cinco anos; outros, em dez; outros, em quinze.
Balthazar pegou um gostinho no mês passado, quando foram liberados os primeiros documentos de cinco anos atrás. Fez esta reportagem, dando conta que o Federal Reserve manifestava preocupações com a vitória do hoje presidente.
Na série desta semana, Balthazar mostra como Lula ganhou a confiança dos gringos. Lula teria oferecido ajuda aos EUA, como parceiro estratégico para acalmar o Chávez. Zé Dirceu foi o intermediário de alguns contatos com o Itamaraty. Isso está registrado em documentos oficiais, embora o ex-comissário ensaboe a resposta em entrevista ao jornal. Em troca da força, a embaixada dos EUA garantiu que o governo americano apoiasse o presidente.
Para melhorar ainda mais o serviço prestado aos leitores, o jornal tornou disponíveis para os assinantes os documentos.
Nas palavras do mestre Sérgio Leo, fundador da Abraji, colunista do Valor e especialista em relações internacionais:
- A divulgação dos relatos das autoridades sobre as conversas deixa mal José Dirceu, que teria até falado em ressuscitar a Alca, quando já estava claro que não havia como fazer o acordo sem abrir mão de reivindicações importantes e ceder em pontos que reduziriam fortemente o espaço para uma política autônoma de desenvolviemnto.
Mas, os documentos divulgados pelo Valor, em geral, mostram o governo brasileiro preocupado em defender interesses dos vizinhos (a própria venezuela, a Bolívia, a Argentina) em seus contatos com os EUA. Uma lição interessante que fica para as autoriades brasilerias é a de que, quando falam em nome do país,falam para a história, e suas conversas um dia poderão ganhar publicidade. Bravatas, traições, jogos duplos podem chegar ao conhecimento do público antes do que se pensa.
Mas isso só é mais perigoso com países democráticos. A maioria dos regimes autoritários não deixa muito registro. O governo Bush diminuiu a transparência dos arquivos de governo por lá _ e, é claro, há muita coisa que jamais saberemos sobre as andanças de emissãrios dos EUA no continente. Mas que a gente devia cobrar leis semelhantes, de abertura de arquivos, aqui no Brasil, ah, isso devia.
Sugestão de pauta: o Valor poderia solicitar ao governo brasileiro os documentos que mostram a versão daqui para os mesmos fatos. Caso existam, claro.
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