sábado, 26 de julho de 2008

A morte do jornalismo

Por ofício, leio muitas e muitos livros, revistas e sites especializados e notícias sobre imprensa. O que me espanta, especialmente no Brasil, mas não só, é o quanto muitos - embora, ainda bem, não todos - jornalistas que produzem notícias sobre jornalismo parecem não fazer a mínima idéia do que estão falando. Até mesmo em fatos básicos, muito básicos.

Isso me faz ter uma certeza fundamental: se é que o jornalismo vai morrer, é porque seus assassinos estão infiltrados entre seus próprios praticantes.

Dois exemplos recentes que li ontem e hoje, para ilustrar.

1) O estranho caso do tribunal estadual que legisla para o país

Na mais recente edição da Revista Imprensa, existe uma matéria especial sobre as multas impostas pela Justiça Eleitoral a meios de comunicação que entrevistaram pré-candidatos à prefeitura de São Paulo. Noves fora o fato de que não foi só em São Paulo que isso ocorreu - coisa que a matéria dá a entender -, vale a pena olhar a seguinte frase para ver o tamanho da falta de apuração:

    Embora fossem apenas entrevistas, a Justiça entendeu que as matérias feriam a Lei 9.504/07 do TRE-SP, cujas normas eleitorais, válidas para todo o país, permitem a propaganda apenas a partir do dia 6 de junho.

Poucas frases têm o privilégio de conter tantos erros em tão pequeno espaço de palavras.

A lei 9.504, que define como são feitas as eleições, é de 1997, não de 2007. Não foi editada pelo TRE-SP, e sim pelo Congresso Nacional. Por essa lei, a propaganda eleitoral é permitida apenas a partir de 6 de julho, e não 6 de junho. Isso porque as convenções partidárias que definem os candidatos vão até 5 de julho. Ainda assim, o que permitiu à Justiça Eleitoral comparar as entrevistas à propaganda eleitoral foi a resolução 22.718, do TSE. Ela proibia os candidatos de divulgarem suas plataformas eleitorais antes do início do período de propaganda.

O assunto foi um dos mais comentados durante pelo menos duas semanas, até que o TSE derrubou a resolução. Aparentemente, o "Da Redação", que assina a matéria, não leu as decisões. Nem prestou muita atenção ao noticiário sobre o assunto. Qualquer um - especialmente jornalista - que tenha prestado um pouco de atenção ao assunto percebe os erros.

2) O incrível Nostradamus de gravata borboleta

Um dos jornalistas que mais admiro no mundo é Philip Meyer, o pai do jornalismo de precisão. Nos últimos anos, porém, ele se tornou conhecido no mundo inteiro como o cavalheiro que previu que os jornais acabariam em 2043.

Já escrevi antes a respeito de outras manifestações desse fenômeno que resumiu um livro de 252 páginas, baseado numa sólida pesquisa que tomou dois anos, a um comentário casual incluído na página 16. Mas alguns jovens jornalistas espanhóis que entrevistaram o mestre para a Europapress conseguiram bater todos os recordes já no lead:

    O acadêmico e jornalista Philip Meyer, autor do livro 'The Vanished News', onde previa o fim da imprensa escrita para 2043, desdisse hoje tal afirmação e precisou que escreveu aquele título nos anos 60, num momento em que não levou em conta 'outros fatores', como a chegada da internet.

Ou seja: eles orgulhosamente não se contentaram em apenas não ter lido o livro "The Vanishing Newspaper", lançado em 2004, e em não entender onde se encaixa o comentário sobre 2043 (no que estão na prestigiosa companhia de praticamente todo mundo que cita a "previsão"). Eles também colocaram o livro sendo editado 40 anos antes de seu verdadeiro lançamento.

(SERVIÇO: Recomendo vivamente a leitura do livro inteiro, que foi lançado no Brasil no ano passado. É um dos melhores livros que já li sobre jornalismo, escrito por um sujeito que realmente entende do assunto.)

Perceba que, nos dois casos, as informações errôneas são de fácil checagem. A principal diferença é que pra ler o erro da Revista Imprensa eu paguei R$ 9,90, que teriam sido muito melhor empregados comprando gibis ou cerveja.

Esse tipo de falta de noção não se restringe, é lógico, ao jornalismo sobre jornalismo. Mas é no mínimo razoável, embora triste, chegar a uma conclusão nem tão apocalíptica quanto a de 2043: se nem notícias sobre sua própria atividade muitos - não todos - jornalistas conseguem cobrir direito, não dá pra esperar que cubram muito melhor coisas mais distantes do seu interesse direto.

4 comentários:

Anônimo disse...

Pois é. Mas como exigir compreensão sobre os fatos e as determinações que regem a cobertura jornalística se nem os próprios jornalistas aparentemente sabem o que estão fazendo?

Mais: como exigir que eles procurem entender o futuro, se, pelo visto, eles (e nós?) mal sabem o que estão fazendo no momento?

E outra coisa: levando em consideração que a Revista Imprensa é um dos principais meios informativos sobre a categoria para os muitos afastados de qualquer pensamento acadêmico, constrói-se conhecimento por informações equivocadas.

Anônimo disse...

Não foi o livro que foi editado há 40 anos, foi a idéia do título do livro. Você não sabe ler e entender o que tá escrito? E ainda critica os outros jornalistas? Espelho é para se olhar...

Marcelo disse...

Obrigado pela observação, mas eu não costumo ser tão relaxado. Chequei com o próprio Philip Meyer antes de postar, pra ter certeza de que não escreveria nenhuma bobagem. De resto, eu ainda mantenho que as 252 páginas da obra são bem mais gratificantes do que a observação casual da página 16 ou apenas o título do livro.

Orlando Tambosi disse...

E que bravinho o anônimo, hein, Marcelo?

Que se roce nas ostras...

P.S.: chamei lá em casa...