segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Quando a lei dá uma força pra quem não quer prestar

Pelo menos nos últimos dez anos, houve diversos escândalos sobre a farra no uso dos jatinhos da FAB por autoridades. O STJ, porém, negou pedido do deputado Gustavo Fruet para tirar a classificação de "confidencial" que pesa sobre dados de viagens de ministros nesses jatinhos entre junho de 2006 e junho de 2007. Pela lei, dados assim carimbados só podem ser públicos depois de 10 anos.

Segundo reportagem publicada pela Folha em outubro do ano passado, nesse período houve 1.544 vôos da alegria:

    Os dados, tabulados pela Aeronáutica para o período de junho de 2006 a junho de 2007, mostram que o campeão de viagens em aeronaves oficiais foi o ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), que voou 125 trechos, boa parte para Belo Horizonte, onde tem residência. Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais, e ex-Turismo) é o segundo da lista, com 105 trechos, seguido por Fernando Haddad (Educação), com 95 viagens, e Tarso Genro (Justiça e ex-Relações Institucionais), com 81 vôos.

    (...) O levantamento, obtido pela Folha, não inclui vôos dos comandantes militares, mas lista as requisições de aeronaves por cada autoridade civil, com a lista completa dos passageiros. Com isso, é possível identificar as "caronas" oferecidas por vários ministros para assessores, familiares ou amigos.

    Um caso peculiar foi a "carona" que Walfrido ofereceu na Páscoa, logo após o motim dos controladores que fechou todos os aeroportos, a Nelson Jobim (hoje titular da Defesa) e dois governadores, Wellington Dias (PT-PI) e Marcelo Déda (PT-SE), e seus familiares.

    O grupo partiu da capital federal às 18h45 do dia 5 de abril deste ano rumo a Belo Horizonte, a bordo de uma aeronave C-97 (um Embraer Brasília) e voltou a Brasília no domingo de Páscoa às 21h.

    O governador de Sergipe confirmou que não viajou a serviço. Os outros não ligaram de volta. "Não vejo irregularidade. A viagem não foi feita por minha causa, só fui um dos passageiros. O avião faria o trecho de qualquer maneira", disse Déda. Porém, ao ser questionado se ficou hospedado com o grupo na fazenda do ministro, Déda respondeu que sim.

    O decreto sobre o uso dos aviões não trata sobre caronas.

Em julho, o jornal havia publicado outra reportagem sobre o assunto, dando conta de que os ministros driblavam a crise aérea usando as aerolíneas FAB: 257 dessas viagens ocorreram nos meses de novembro e dezembro de 2006, auge da crise aérea. Isso incluía viagens particulares. Dos 37 ministros consultados pelos repórteres, apenas 28 responderam às questões sobre o motivo das viagens. Tarso Genro, da Justiça, lascou: "É uma matéria [jornalística] muito primária saber se um ministro usa uma prerrogativa legal".

Um leitor governista poderia apontar o fato de o deputado ser da oposição. Mas cabe lembrar do primeiro escândalo nacional relativo a uso de jatinhos da FAB.

Em setembro de 2001, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia do governo FHC, Ronaldo Sardenberg - do mesmo PSDB de Fruet -, foi condenado pela primeira instância da Justiça Federal por ter usado aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para passear com familiares em Fernando de Noronha. A viagem ocorreu em 1998. Houve recurso: no entendimento proposto pela defesa de Sardenberg, apenas servidores que cumprem ordens podem ser processados por improbidade administrativa - tipo de ação que pode ser proposta pelo Ministério Público.

Como 1998 já completou 10 anos, esses dados teoricamente já podem ser solicitados sem que o STJ se manifeste contra.

Mas tem mais uma questão interessante que cabe discutir. Os dados questionados pelo deputado estão classificados como confidenciais. Pela lei brasileira, é esta a definição de documentos confidenciais:

    São passíveis de classificação como confidenciais dados ou informações que, no interesse do Poder Executivo e das partes, devam ser de conhecimento restrito e cuja revelação não-autorizada possa frustrar seus objetivos ou acarretar dano à segurança da sociedade e do Estado.

Ganha uma barrinha de cereal quem apontar o dano à segurança da sociedade e do Estado que possa ser causado pela divulgação desses dados.

Aliás, o próprio ministro relator apontou isso, segundo o release do STJ:

    Quanto aos argumentos do Comando, o ministro Campbell ressaltou que não enxerga como as informações de viagens pretéritas corriqueiras possam ocasionar danos à segurança da sociedade e do Estado. Tampouco, entende que a divulgação de tais informações possa frustrar objetivos ou propósitos governamentais, uma vez que se trata de viagens passadas.

    Contudo, o pedido do deputado foi negado porque não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.

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