terça-feira, 4 de novembro de 2008

O nó da questão

Preocupado com o aquecimento global, o senador Gerson Camata propôs a abolição do terno e gravata obrigatórios como uniforme dos representantes do povo brasileiro. Ele disse ter-se inspirado em experiência da ONU, que ao flexibilizar o uniforme permitiu aumentar a temperatura do ar condicionado e reduzir a emissão de gás carbônico em 300 metros cúbicos diários.

Colegas seus estranharam, na lógica do hábito que faz o monge. A senadora Marisa Serrano disse: "é estranho a gente ter parlamentares sem terno e gravata." Tião Viana disse que é a favor de tirar a gravata nas comissões temáticas, mas em sessões plenárias e reuniões especiais o pedaço de pano tem que ser obrigatório.

A proposta já estava prestes a ficar no meu arquivo do fait-divers quando a coisa ficou séria, pelo que vejo na Agência Senado.

Com o mesmo tom grave usado para defender que ninguém tem nada que mexer na lei da anistia, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, declarou que é preciso estudar com cuidado essa questão da gravata.

    -- Creio que a obrigatoriedade do terno e da gravata precisa passar por um período de transição. Se isso for mudado rapidamente, vai haver um choque visual. Vão aparecer camisas esporte e vai terminar havendo uma liberação geral. Vou conversar com o Camata e conhecer melhor suas intenções, seus critérios.

A obrigatoriedade da gravata no Congresso já gerou algumas situações hilárias. Em novembro, naquele calorão todo, o senador Heráclito Fortes precisou pedir emprestada ao seu motorista uma gravata para poder subir ao plenário numa sessão não-deliberativa e discursar para todos os quatro colegas que lá estavam. O discurso, que versou sobre gravata, CPI das ONGs e a incorporação do Banco do Piauí pelo Banco do Brasil, ficou registrado para a posteridade no site do Senado. Foi um dos poucos discursos na história do parlamento em que mais da metade dos presentes conseguiu fazer apartes. Ele começa assim:

    O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM ¿ PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) ¿ Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de falar, quero, por dever de justiça, congratular-me com os Senadores presentes: Simon, Mozarildo, Botelho e V. Exª, Senador Geraldo Mesquita. Quero louvar o fato de estarmos aqui, realizando esta sessão, nesta sexta-feira imprensada.
    Quero revelar, meu caro Fonseca, decano desta Casa, que não acreditei muito nesta sessão, tanto que vim com roupa esporte. Aí, tive de improvisar, Senador Simon: pedi emprestada a gravata ao meu motorista, Guilherme ¿ meu motorista há 20 anos ¿, para poder estar aqui ao lado de V. Exªs.

    O SR. PRESIDENTE (Geraldo Mesquita Júnior. PMDB ¿ AC) ¿ Mas V. Exª ficou muito bem.

    O Sr. Pedro Simon (PMDB ¿ RS) ¿ Cá entre nós, é uma gravata de Senador a do seu motorista. Meus cumprimentos.

    O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM ¿ PI) ¿ Pois é.

    O SR. PRESIDENTE (Geraldo Mesquita Júnior. PMDB ¿ AC) ¿ V. Exª ficou muito bem.

    O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM ¿ PI) ¿ É o costume, é a companhia. Para V. Exª ver, Senador, que, às vezes, a boa companhia revela o que é positivo para quem a escolhe.
    Eu, por exemplo, tenho apenas de me orgulhar de ter procurado, ao longo de toda a minha vida pública, ser amigo de V. Exª. Não tive decepção alguma e nenhum momento de arrependimento.

    O Sr. Pedro Simon (PMDB ¿ RS) ¿ Na verdade, tenho uma emoção muito grande pela amizade que temos há tanto tempo. Para mim, é uma alegria muito grande. Digo sempre que, nas horas mais difíceis, mais dramáticas, V. Exª foi um dos que botou a cara para ser batida: colocou a sua casa à disposição do comitê do Dr. Ulysses e, quando a maioria fugia, V. Exª estava ali presente. A nossa amizade é muito profunda. A única coisa com a qual não concordo é que, em termos de vestuário, V. Exª só teve o que perder comigo. Ainda bem que V. Exª não me copiou, porque, senão, não teria essa elegância que tem hoje.

    O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM ¿ PI) ¿ Antes de perder com V. Exª no vestuário, tenho de perder no peso, mas, infelizmente, a gulodice é maior do que a força de vontade, e eu entrego os pontos.

Mas nem sempre a observação do uso da gravata garante trânsito no Legislativo. Não, não, não senhores. Por exemplo: há um ano, a Câmara cancelou uma exposição de fotos no Salão Negro da Câmara dos Deputados. Isso porque uma das fotos mostrava a(o) Rogéria de camisa social e gravata. OK, pouca coisa além disso.

Pra resolver a questão, acho que o Garibaldi devia convocar urgentemente uma comissão parlamentar mista, presidida pelo Clodovil e relatada pelo Pompeo de Mattos. Essa comissão poderia convocar o Henry Sobel como um dos depoentes. Para contribuir com a futura comissão, forneço este link com a história da gravata.

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