Ontem, o Portal Imprensa informou que a Polícia Federal quebrou o sigilo telefônico de jornalistas para investigar vazamento de informações na operação Satiagraha, aquela que rachou o Brasil ao meio. Esse negócio de quebrar sigilo pra achar vazamento me lembra muito os "encanadores" da campanha do Nixon.
Venho acompanhando com preocupação (embora com pouco conhecimento de causa) os movimentos de algumas autoridades nesse caso. Em especial os movimentos do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo. Embora veja coisas que me pareçam preocupantes, não tenho conhecimento jurídico suficiente pra avaliar seu grau de gravidade. Algumas, que me parecem apenas folclóricas, podem ter mais conseqüências do que eu imagino. É o caso da recomendação de que os juízes não usem os nomes das operações policiais nas decisões, por exemplo.
O juiz George Marmelstein, porém, tem. Ele é autor de uma obra importante sobre direitos fundamentais e mantém um blog de altíssimo nível a respeito. Hoje, há um post dele sobre o julgamento do mérito do habeas corpus concedido ao Daniel Dantas pra soltá-lo na Satiagraha. Na época, Mendes também aventou a punição, via CNJ (o qual também preside), ao juiz que decidiu pela prisão do notório empresário. Depois, também cogitou-se disciplinar os juízes que manifestaram solidariedade a esse colega. Complicado, não?
Tomo a liberdade de reproduzir alguns trechos do post do dr. Marmelstein.
- Em meus quase dez anos de magistratura, já estive diante de latrocidas, traficantes e outros criminosos de alta periculosidade. Ontem, foi a primeira vez em minha carreira de magistrado que senti medo. Apesar de as tentativas de se punir disciplinarmente os juízes não tenham prevalecido, é inegável que o CNJ está sendo utilizado como instrumento de policiamento para que os juízes “andem na reta” e sigam a cartilha ditada por seus membros. A simples ameaça de punição certarmente já atingiu a sua finalidade que é gerar um efeito silenciador perante os juízes de primeiro grau.
(...) Na minha ingenuidade, sempre fui favorável à criação de um órgão de controle externo da magistratura, como forma de punir os desvios éticos que costumam ocorrer no Judiciário. Há tanta coisa errada que somente um órgão disciplinar para diminuir as imoralidades institucionalizadas. Jamais imaginei que esse órgão fosse utilizado, ainda que retoricamente, para amendrontar os juízes, controlar o mérito das suas decisões ou até mesmo cercear as suas opiniões. Vã ilusão…
(...) O CNJ chegou a recomendar como os juízes redijam suas decisões. “Aconselhou” que não fossem utilizados os nomes propagandísticos das operações policiais, pois isso poderia afetar a imparcialidade do julgamento!
O curioso é que nunca vi ninguém criticar o uso dos famosos “vulgos” quando se trata de réu pobre, que são muito mais depreciativos. “Fulano de Tal, vulgo, ‘Matador Sanguinário’” - esse já tá condenado!
Sou fã dessa idéia de dar nome aos casos jurídicos. Falar em “Caso Ellwanger” é muito mais didático do que falar HC 3123214219432. Na Alemanha, onde o Min. Gilmar Mendes estudou, todos os casos são conhecidos por “nomes de impacto”. É o caso “Numerus Clausulus”, “Soldados são Assassinos”, “Aborto I” e por aí vai. Isso facilita tremendamente a compreensão e divulgação do julgamento para o grande público. Se os nomes são depreciativos e podem induzir a uma condenação antecipada, cabe à Justiça modificar. O próprio Caso Satyagraha também é conhecido como Caso Daniel Dantas.
O dr. Marmelstein também reproduz uma nota da Ajufe sobre o julgamento do HC do Dantas. Reproduzo trechos também:
- A AJUFE reafirma que nenhum magistrado, seja de primeira instância ou dos tribunais superiores, pode ser punido ou ameaçado de punição porque decidiu de acordo com a sua consciência, nos termos da Constituição e das leis.
Igualmente, nenhum magistrado pode ser punido ou ameaçado de punição porque se manifestou publicamente na defesa da independência funcional da magistratura.
Vivemos em uma democracia e no Estado Democrático de Direito. Os magistrados, como todos os cidadãos, têm o direito de manifestar sua opinião e a Lei Orgânica da Magistratura, que surgiu em triste período da história deste País, deve ser interpretada sob o espírito democrático e participativo da Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadão, mas jamais ser utilizada como instrumento de intimidação.
Basicamente, o que a Ajufe diz é o seguinte: o dr. Gilmar Mendes, que gosta tanto de falar em direitos fundamentais quando se trata de notórios empresários algemados, não tá nem tchuns pros direitos fundamentais dos magistrados.
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