Há mais de mês e meio que venho querendo escrever este post. Achei um gancho hoje com as notícias da crise econômica.
Hoje, a Anfavea anunciou que as vendas de carros caíram pela primeira vez desde 2006. Em outubro, foram vendidos 2,1% menos carros do que no mesmo mês do ano passado. Apavorada, a indústria automobilística já quer que o governo entre em cena para financiar a compra de mais carros.
Enquanto isso, o trânsito continua um inferno. Dizem entrevistados do Estadão que a entrada de São Paulo parece uma membrana: ninguém entra e nem sai. Ainda esta semana, um acidente na Marginal do Tietê causou um engarrafamento de 14 horas. E vejam o que é a experiência de atravessar um cruzamento no centro da cidade por onde circulam estudantes, trabalhadores e velhinhos:
Eu já estava mais ou menos conformado com isso de que cidade desenvolvida é assim mesmo. Até setembro, eu achava que a tranqueira era o preço do desenvolvimento e que o negócio, então, era organizar a própria vida pra não ficar parado duas horas pra ir e duas horas pra voltar do trabalho. Pois organizei: trabalho em casa, e no final da tarde adoro olhar pela janela só ver os trouxas trancados em seus castelos de lata destilando raiva em nome da prosperidade da indústria automobilística.
Mas aí fui a Malmö, na Suécia, a cidade de onde veio minha tataravó. É uma cidade desenvolvida - a terceira maior do país. Oferece serviços sofisticados, tem restaurantes interessantes... e quase não se vê carros na rua. O que o povo usa mesmo é bicicleta. Este é um dos pontos mais importantes de concentração de restaurantes no centro de Malmö, na hora do almoço:
Quer sentir que você, pedestre, tem um pouco de poder? Simples: é só parar no meio-fio para dar a vez ao carro ao tentar atravessar alguma avenida em Malmö. O motorista fica constrangido e PÁRA O CARRO pra você atravessar. Compare com o vídeo da esquina da minha casa e imagine o quanto isso me espantou.
Mas um fenômeno desses não acontece sem política pública. Em Brasília, pra não ficar só na distante e quase utópica Escandinávia, os carros também têm que parar sempre que um pedestre bota o pé no meio da rua. Mas isso só acontece porque houve uma campanha do Correio Braziliense, em 1996, que estimulou o governo distrital a aumentar a vigilância sobre os barbeiros depois de uma série de acidentes.
Em Malmö, também tem política pública a respeito: em 2007, a cidade fez uma campanha chamada "Nada de Viagens Ridículas de Carro". Uma pesquisa feita pela prefeitura descobriu que quase a metade das viagens de carro em Malmö é de menos de 5km. Isso podia ser feito facilmente a pé ou de bicicleta.
Com o dado em mãos, a prefeitura incentivou os cidadãos a expor seus maiores micos automobilísticos, tipo pegar o carro pra ir até a esquina. Ridendo castigat mores - e humor e informação fazem maravilhas.
Em alguns bairros, a prefeitura também determinou que cada apartamento só poderia estacionar 0,7 carro - ou pagaria multas pesadas. Como é complicado andar por aí com sete décimos de carro, o pessoal prefere andar com uma bicicleta inteira. Veja este vídeo sobre as iniciativas ambientais da cidade:
Funciona. Certamente funciona melhor do que a prática paulistana de construir imóveis com seis vagas na garagem por apartamento.
Eu já me irritava muito com o trânsito de São Paulo. Depois de conhecer o mundo civilizado, além de me irritar com o trânsito passei a me irritar em dobro com o quanto se transforma o Brasil em um inferno pra beijar a mão das fábricas de carros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário