segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Empurrando com a barriga

Lembra aquele projeto de lei de acesso que o Lula prometeu em 2006 que levaria ao Congresso ainda em 2007 e ainda não levou?

No final da semana passada foi anunciado que ele vai sair do papel em breve. Mas ele tem defeitos sérios. O rascunho da lei que eu li em 2006 já foi descaracterizado. Por exemplo, ele inclui uma brecha para que um grupo de çábios defina se deve haver ou não sigilo eterno, de acordo com sabe-se lá que critérios (que eles, obviamente, dirão serem critérios razoáveis e necessários).

Em países que já têm lei de acesso, isso não existe. Nem com o Bush.

Por exemplo: pela lei atual, que não tem provisões sobre como pedir acesso a documentos, os dados dos gastos da Presidência até 2003 já deviam ser públicos. Mas não são.

Lembram do caso do dossiê que era um banco de dados? Pois. Na terceira explicação a respeito, a Dilma Rousseff utilizou parecer do Gabinete de Segurança Institucional, segundo o qual os gastos da Presidência se equiparam aos documentos do regime militar: caso tratem de informações sobre a intimidade, vida privada, honra e imagem de alguém, devem ter "acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes".

O projeto ora desfigurado piora a questão do sigilo eterno para documentos que tratem desses temas. Em vez de documentos ultra-secretos vedados por 50 anos renováveis por outros 50 indefinidamente, ou 25 anos renováveis por outros 25 indefinidamente, como quer o novo projeto, qualquer documento pode ser vedado pra todo o sempre:

    O acesso a documentos ou informações que possam atingir a honra e a imagem das pessoas será restrito eternamente, independente da classificação.

Ou seja: é uma porta dos fundos criada especificamete para barrar o acesso dos cidadãos aos dados dos gastos da presidência, que têm a classificação "reservado". Isso não existia nem no decreto do sigilo eterno do FHC, sancionado pelo Lula. O negócio do governo, cada vez mais claramente, é não prestar (contas, informações, etc).

De qualquer forma, não vai ser para agora. O governo havia anunciado que apresentaria o projeto ainda em dezembro, na inauguração de um site com todos os documentos da ditadura que já são públicos. (A lei de direito de acesso, lembre-se, também dará acesso aos documentos da democracia.)

Pois agora a inauguração deve sair só em janeiro - e, por conseqüência, o projeto também. Pelo que informou o ministro Paulo Vannucchi, dez estados brasileiros ainda se negam a abrir os seus documentos da ditadura.

A matéria da Folha termina assim:

    O ministro disse que seu engajamento em rever as questões ligadas a ditadura desagradou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em 2005 chegou a expressar sua insatisfação com a maneira como o tema estava sendo tratado.

Ou seja: o presidente faz questão de empurrar a questão com a barriga.

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