quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Ônibus mata ciclista na Paulista: o motor venceu


Hoje pela manhã, uma ciclista de 40 anos foi atropelada na Avenida Paulista. Seu corpo ficou quatro horas estendido no chão, até que foi removido. (A foto acima não é do acidente; foi tirada do blog Apocalipse Motorizado).

O relato do Diário de S.Paulo é sucinto:

    Uma ciclista, de 40 anos, morreu após ser atropelada por um ônibus, na Avenida Paulista, no sentido Consolação, na região dos Jardins. O acidente ocorreu quase na frente do prédio da Fundação Casper Líbero, na pista da direita. Márcia Regina de Andrade Prado circulava perto do meio-fio quando o motorista a ultrapassou. Uma testemunha diz que o motorista bateu no guidão da bicicleta. Ela se desiquilibrou, caiu e o coletivo passou por cima dela. O motorista Mario José de Oliveira, de 53 anos, trabalha desde 1981 e diz que nunca havia se envolvido em acidentes. Ele relatou à reportagem que ela estava no meio da faixa. Ele avançou na segunda faixa para ultrapassá-la. Quando ele retornava para a faixa da direita, ouviu o barulho e parou.

    - Tenho a consciência tranquila. Lamento muito a morte de uma pessoa, mas sei que não tive culpa - disse.

A Folha Online informa: "Quem trafegava pela avenida Paulista por volta das 15h50 enfrentava 1,3 km de congestionamento no sentido Consolação, da rua Joaquim Eugênio de Lima até a rua Augusta".

Por curiosidade, resolvi pesquisar na internet para ver o que descobria a respeito da ciclista. Renunciar ao carro, em São Paulo, já exige alguma coragem. Adotar a bicicleta como meio de transporte aqui, então, exige quase a mesma coragem de quem combatia a ditadura militar.

Encontrei, e não passei longe da verdade, não. Márcia Regina de Andrade Prado era uma ativista do ciclismo - uma "cicloativista", como eles se definem. Costumava solicitar liberação das autoridades para bicicletadas, reclamava a elas sobre falta de condições para o tráfego de ciclistas e era chamada de "nossa líder" por outros integrantes do movimento.

Alguém com esse grau de articulação, presume-se, não poderia ser uma ciclista imprudente. Imprudente, parece, tornou-se fugir à lógica do motor em São Paulo.

Em setembro, Márcia foi uma das signatárias do Manifesto dos Invisíveis, que tinha este trecho:

    Não clamamos por ciclovias, clamamos por respeito. As leis de trânsito colocam em primeiro plano o respeito à vida. As ruas são públicas e devem ser compartilhadas entre todos os veículos, como manda a lei e reza o bom senso. Porém, muitas pessoas não se arriscam a pedalar por medo da atitude violenta de alguns motoristas. Estes motoristas felizmente são minoria, mas uma minoria que assusta e agride.

Meus respeitos à Márcia, a quem eu não conhecia mas passei a admirar a partir da pesquisa para este post. Sempre tive simpatia pelos ciclistas, mas ainda não tive coragem de comprar uma bicicleta exatamente por medo de algo como o que houve com ela.

Pensar que o caos do motor é o preço do desenvolvimento é agir como aquele prefeito de piada, cujo primeiro ato na administração de uma cidade pequena foi queimar uma pilha de pneus na praça. "Eu prometi desenvolver a cidade, e cidade desenvolvida tem que ter poluição", justificou.

Contrastem essa notícia com esta reportagem que saiu hoje no New York Times sobre um cicloativista de Portland, Oregon. Ele é deputado, representando a cidade. O prefeito da cidade também é ciclista.

Quer contrastar mais ainda? Veja esta cena de Malmö, a terceira maior cidade da Suécia, muito industrializada e bem-provida de serviços sofisticados. Foi tirada ao meio-dia. Seria impensável na primeira ou na décima ou talvez na centésima maior cidade do Brasil. Comparar as fotos das duas pontas deste post mostra mais ou menos qual é a distância entre o mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido.



18 comentários:

João Lacerda disse...

Lindo relato! Vale como bela homenagem.

Uma pena que ainda seja necessários martires.

Uma bela foto da Marcia bela e feliz!

http://mariocanna.multiply.com/photos/album/15/Bonde_Sorocaba#4

Que seja lembrada por esssa imagem e não pelos videos e fotos que os curiosos tiraram do corpo!

Anônimo disse...

Também li as noticias e logo corri para ver se não era alguém conhecido,sempre a gente sente um aquele frio na espinha quando lê uma nota fria escrita ..ciclista morre atropelado.

Minha sugestão a vocês do movimento Bicicletada é que se divulguem nos meios de comunicação fotos,imagens onde apareçam a Márcia pedalando .
Porque?
As pessoas lêem essas notas e noticiários e podem pensar ,que era uma pessoa irresponsável.
Mas vendo a pessoa que ela era, pode se ter certeza que ela era tudo menos isso,era alguém que lutava pelo direito de se locomover com sua bicicleta, de ur e vir.
Fotos dela no local onde ocorreu o acidente...para que os motoristas que passem no local se lembrem que atras de um capacete, existe uma pessoa .

Marcelo disse...

Oi, Anônimo. Não faço parte do movimento, até porque só pedalo uma ou duas vezes por ano, no Ibirapuera. Dysprosio, vou colocar a foto no próximo post.

Anônimo disse...

Amiga de pedal, a última lembrança que vou ter dela será daquela vez que peguei a bike de roda fixa dela para dar um voltinha, num piquenique um pouco antes do ano novo. A bicicleta era tão alta pra mim, que acabei ficando com dor nos ombros.

Fourier disse...

Vá em paz minha amiga Márcia!

Sexta-feira a partir das 18 horas na Praça do Ciclista um mega protesto será feito!

Foi uma honra pedalar com você por diversas vezes!

Olhe por nóes aí de cima!

Dunha disse...

Márcia,

Que você esteja em paz na Pátria espiritual.

Foste um exemplo de coragem ao defender a utilização de bicicletas em uma cidade como São Paulo. Coragem essa que perdi após meu primeiro atropelamento.

Anônimo disse...

Sim que seja lembrada por imagens como essa , ela sorrindo parece estar dizendo até breve...sabendo que irá para um lugar melhor que esse onde estamos....
Apenas mais uma sugestão.
Lembram daqueles chaveiros de plástico transparentes,onde se colocavam as fotos 3x4.
Poderia se fazer algo semelhante colocar essa foto em uma placa de acrilico vedada(de modo a não estragar com chuva)colocar-se o nome as datas uma citação e simplesmente cimentar essa placa na mureta da praça onde ser reunem ,ninguém teria coragem de arrancar tal homenagem.

Unknown disse...

Estarei participando da homenagem a Marcia de sexta-feira... nao podemos ficar apenas na plateia...

Minha familia tem uma estamparia e estou pensando em fazer camisetas para distribuir na manifestacao.

PRECISO DE SUGESTOES DE FRASES PARA SER ESTAMPADAS E USADAS AMANHA, tipo:

"RESPEITE MENOS UM CARRO"
"SUA PRESSA VALE UMA VIDA?"

Espero a colaboracao de todos

Abs

La fille qui aime le vélo disse...

Legal que vc vai levar umas camisetas! Muito obrigada!!! Tenho algumas sugestões, q são coisas q o pessoal grita nas bicicletadas: "MAIS AMOR MENOS MOTOR", "MOTORISTA, RESPEITE MINHA VIDA" ...Te vejo lá!

Raphael Perret disse...

Belo post. FIquei triste. Aqui no Rio de Janeiro, há um incentivo ao uso das bicicletas, tanto natural (pela beleza da cidade) quanto artificial (a prefeitura fazia campanhas).

Mas... não dá. As ciclovias ainda são poucas (apesar de a malha ser bem extensa pra uma metrópole brasileira) e são muito mal conservadas (carros estacionam em cima delas NA MAIOR). Fora, é claro, a má educação dos motoristas cariocas que certamente é maior que a dos paulistas. Quando saio de casa pra ir andar de bicicleta, fico com medo até chegar no Aterro, porque é difícil dividir a rua (temos direito!) com os carros e ônibus. Também acho que a bicicleta deveria ser incentivada como meio de transporte, pois tem manutenção barata, diminui a poluição e é uma atividade física. No Rio, o único porém seria o calor, mas nada que não se resolva. Descanse em paz, Márcia.

Anônimo disse...

Estive ontem no local da homenagem,pensava que daria para ficar para a homenagem,mas ao ver os parentes vi que não aguentaria ficar sem chorar,então deixei as flores e fui caminhando até o local do acidente..
Já pedalei por aquele trecho inúmeras vezes com onibus(no mesmo horário) a frente,ao lado e atrás,não era o caso do onibus ter fechado para parar no ponto(pois o ponto fica atrás e o próximo fica após um farol)geralmente eles nos fechavam depois do farol,quase perto da saida do metro... acho que ele realmente agiu por não aguentar uns segundos a mais,o horário um pouco antes do almoço é geralmente complicado..mas no período escolar... outro fator são aqueles canteiros de plantas,eles foram feitos para evitar que os carros parassem na calçada e limitar os locais onde pedestres atravessassem a avenida,porém eliminam totalmente uma área de escape para o ciclista, pedalando em cidades estrangeiras ,vi cidades onde as guias não são altas ,ao contrário são minimas justamente para que os ciclistas possam sair de lado e notei qod isso quando a via é estreita ,pois no geral os motoristas reduzem a velocidade ao ultrapassar o ciclista ,abrem distância(praticamente vão para a outra pista e muitas vezes eu me sentia incomodado em por em risco o motorista pois havia o perigo de colisão com o trafego que vinha em sentido contrário) e depois voltam,mas em vias estreitas onde seria arriscado essa manobra ,eles rebaixaram a guia a tal ponto que se torna fácil ao sentir a aproximação de um caminhão ou onibus simplesmente pular para a beirada da calçada.
Aqui com esses canteiros o ciclista fica literalmente preso sem área de escape.
Se resolverem apurar o que aconteceu,acredito que a CET tem mais de uma câmera focalizando aquele trecho,me lembro de ver aquele cruzamento nas manhãs pelo canal 21...

Anônimo disse...

ola amigos.
fiz 15 camisetas.
http://img103.imagevenue.com/img.php?image=09616_bike_122_659lo.jpg
queria ter feito mais, mas como todo custo esta saindo do meu bolso, so pude fazer essas :(
vou distribuir de graca na manifestacao de hoje (sexta-feira), quem quiser me ligue no celular apos as 18hs.
8114-5528
abs

Anônimo disse...

Putz, e hoje acabou de sair no Globo que algo semelhante aconteceu hoje no Rio, e perto de onde eu costumo pedalar.

Barone disse...

Que coisa triste. O pior é que esta morte se transforma em estatística e se perde no burburinho.

Anônimo disse...

Mas cabe aos amigos dela e aos demais ciclistas não deixar o que aconteceu se perder no burburinho.
Toda vez que alguém me pergunta se fiquei sabendo do atropelamento(pois muitos sabem que eu também uso a bike como meio de me locomover)eu faço questão de dizer que ela era uma pessoa usava a bike para trabalhar(não era um hobby ou passatempo), da preocupação dela com as leis de trânsito e na crença dela no direito do uso da bike.
No mesmo dia um pedestre foi atropelado na mesma avenida,infelizmente sua morte virou um número ,estatística... mas também era um ser humano,devia ter parentes,amigos..e não sabemos quem era.
É por isso que tento explicar a cada pessoa que me pergunta o que aconteceu.

Anônimo disse...

Acompanhei toda a história através da mídia, e escrevi um artigo no Sampa Meu Lugar sobre isso tudo...espero que agora tudo mude...

http://sampameulugar.wordpress.com/

Unknown disse...

O risco de andar de bicicleta em avenidas como a Paulista é o mesmo de andar no centro da cidade à noite ou de madrugada. Todos temos direito a isso. Fato. Mas temos de arcar com as consequências de um ato extremamente perigoso.

Marcelo disse...

Juliana, acho que tem dois componentes aí. Um é reconhecer o risco - sim, é arriscado. Eu mesmo não pedalo fora do Ibirapuera em boa parte porque não me garanto. O outro componente, porém, é mais complicado. Até que ponto estamos "naturalizando" o desrespeito e a insegurança? E como se reverte isso? Em Copenhagen, as bicicletas andam junto com os carros nas vias principais, mas existe um respeito imenso. Você pode dizer que é outra cultura, e eu concordo que é. Mas uma cultura se cria ao longo do tempo. Não me parece absurdo querer que os motoristas respeitem mais os ciclistas (e, aliás, bem que podiam respeitar os pedestres também), assim como não me parece absurdo querer iluminação no centro da cidade para quem tem coragem de andar lá à noite poder andar com mais segurança quando o fizer. É disso que se trata.