sábado, 31 de janeiro de 2009

A questão é o respeito ao semelhante

Recebi ontem um comentário interessante no post do dia 14 sobre a morte da ciclista Márcia Prado ("O motor venceu):

    O risco de andar de bicicleta em avenidas como a Paulista é o mesmo de andar no centro da cidade à noite ou de madrugada. Todos temos direito a isso. Fato. Mas temos de arcar com as consequências de um ato extremamente perigoso.

É um comentário interessante, porque é razoável. Não é mentira o que ela diz. Mas isso só é verdade - especialmente no tocante ao trânsito - por conta do desrespeito encalacrado. Acho que tem dois componentes aí.

Um é reconhecer o risco - sim, é arriscado, e quem caminha no centro ou pedala na Paulista conhece o risco (os mais conscientes o reconhecem e se preparam para reduzi-lo).

O outro componente é mais complicado. Até que ponto estamos "naturalizando" o desrespeito e a insegurança? E como se reverte isso? Em Copenhagen, as bicicletas andam junto com os carros nas vias principais, mas existe um respeito imenso. Você pode dizer que é outra cultura, e eu concordo que é. Mas uma cultura se cria ao longo do tempo.

Não me parece absurdo querer que os motoristas respeitem mais os ciclistas (e, aliás, bem que podiam respeitar os pedestres também), assim como não me parece absurdo querer iluminação no centro da cidade para quem tem coragem de andar lá à noite poder andar com mais segurança quando o fizer. É disso que se trata.

Aí, hoje, leio este post do juiz George Marmelstein Lima - que, quanto mais escreve em seu blog, mais merece meu respeito por suas idéias. Diz ele:

    A base do direito não deve ser o respeito à lei, mas o respeito ao outro. (...) Mas o mero cumprimento da lei, por si só, não tem um valor intrínseco tão elevado. Uma lei que não seja útil para implementar essa regrinha básica – respeito ao outro – é destituída de significado. Pior ainda é uma norma que, ela própria, permita o desrespeito ao outro ou então não proíba o desrespeito ao outro. Esses tipos de normas não podem ser consideradas como jurídicas.

Ele segue o raciocínio e dá um exemplo pertinente à questão da segurança no trânsito:

    Nesses últimos dez anos, conheci sete países, entre países bem colocados no ranking do IDH (Holanda, Bélgica, França, EUA, Espanha, Portugal) e outros nem tanto (Brasil, Argentina).

    Em todos, sem exceção, os pedestres descumprem uma lei básica do trânsito: a que proíbe passar quando o semáforo está vermelho. É um fenômeno universal: quando não vem carro, todo mundo atravessa a rua, mesmo que o semáforo de pedestres esteja vermelho.

    Muitas explicações podem ser dadas para isso. Alguns diriam que a falta de uma sanção ou de fiscalização seria o fator preponderante. Outros diriam que as cidades que visitei eram turísticas e, portanto, quem descumpriu a regra foram os estrangeiros. Outros diriam ainda que o fator que levou ao descumprimento foi o costume. Discordo. Creio que nenhuma dessas hipóteses constitui o fator preponderante. Passo a apresentar a minha versão.

    Acho que a principal razão é que o descumprimento dessa regra não prejudica outras pessoas. Aliás, não há prejuízo para ninguém. Prejuízo haveria se a pessoa ficasse parada, esperando, perdendo seu tempo, mesmo sabendo que não há qualquer perigo em atravessar a rua.

    Não é o medo da sanção por uma razão muito simples. Nos países bem colocados no ranking do IDH, ninguém joga lixo no chão, mesmo sabendo que não há sanção ou fiscalização. Em regra, as pessoas procuram uma lixeira, ainda que estejam em um lugar isolado.

    Por que, nesse caso, eles cumprem a regra? Creio que, nesse caso, descumprir a regra desrespeita outras pessoas, inclusive ele mesmo, na medida em que prejudica o meio-ambiente, deixa a cidade mais suja, entope os bueiros etc. Há uma cultura já arraigada de que esse ato não deve ser praticado. E essa cultura é respeitada porque tem algum sentido para a regra básica de respeitar o semelhante.

O Código de Trânsito tem regras pra todo gosto e todo mundo. Tem para o motorista, para o ciclista, para o pedestre e para a administração pública. Pela lei, por exemplo, os motoristas precisam dar preferência ao pedestre na faixa de travessia e a prefeitura precisa mantê-la visível. Pela lei, os motoristas devem manter uma distância de 1,5m em relação aos ciclistas. Nada disso acontece. Nada disso é coibido.

Quer-me parecer que o desrespeito é naturalizado, esperado e até premiado exatamente pela falta de reação a ele.

Desrespeite o desrespeito, você também. Eu, pessoalmente, adoro levantar o dedo médio para motoristas que avançam sobre a faixa de pedestres quando tem gente atravessando.

Nenhum comentário: