quinta-feira, 20 de março de 2008

Censura à boliv(ar)iana



O governo boliviano avisou hoje: vai fechar e multar meios de comunicação que divulguem informações que eles considerem danosas à população.

Segundo o jornal Los Tiempos, o governo justifica dizendo que a medida pretende apenas proteger a juventude de conteúdos impróprios. Entre os conteúdos vetados, estão os "sem autorização expressa do propietário", programas "impróprios para menores em horários de audiência de todo o público" e "publicidade subliminar".

Isso me lembra um pouco quando minha avó dizia que no tempo da censura era bom porque não aparecia gente pelada na televisão. Na Bolívia de hoje como no Brasil de ontem, embora a principal justificativa seja "família", para atrair simpatias bem-intencionadas, vale atentar ao último ponto - pra mim, o mais perigoso.

Muitas vezes, o pessoal critica como subliminar o que é apenas subentendido (ou, em várias outras, o que é claro o suficiente para um leitor atento). E atribui intenções a isso - geralmente, com exagero. Não raro, com excesso de moralismo ou de bile ideológica.

O mal-entendido conceito de "publicidade subliminar" é uma das maiores fontes de críticas rasas a todo tipo de expressão. Certa vez, um desenhista de quadrinhos malandramente deu um jeito de escrever a palavra "sex" em vários pontos do gibi: folhas no chão, água, fumaça de cigarro. Foi acusado de manipulação subliminar - muito embora os desenhos não estivessem abaixo do limiar da percepção, condição sine qua non da subliminaridade. Pô: nem o meu querido Deep Purple escapou de acusações de subliminaridade.

Essas são as coisas folclóricas. Aí, se entra no terreno pantanoso da política.

Quando a Veja publicou aquela matéria polêmica sobre o Che Guevara, foi acusada de fazer propaganda subliminar contra o sujeito. Quando as críticas que ela fazia eram claras o suficiente para qualquer um entender - concordasse ou não com elas. A matéria era mais mal-feita do que "malvada". Vide a discussão infantil do autor com um jornalista que tentou entrevistar, bem analisada pelo Pedro Doria.

Pela lei do Evo Morales, isso em determinadas situações poderia ser considerado motivo suficiente para tirar a revista de circulação.

OK, seria um exagero absurdo um governo censurar por conta de "subliminaridades" dirigidas a um personagem da história. Mas há outras situações possíveis.

Há um grupo de "sem-mídia" que busca processar a imprensa inteira por "causar alarme" à população com a questão da febre amarela, há alguns meses. Alegam que a cobertura levou gente a se vacinar já estando vacinada, ficando doente por isso. Dizem que a culpa é da mídia. Vá lá: embora estivessem de fato crescendo os casos de febre amarela, os focos eram no mato, não em áreas urbanas. Os jornais e TVs informavam sobre isso e também sobre o aumento das filas em postos de saúde em área urbana.

Pra mim, não erraram - informaram. O problema, lamentável, foi de quem entendeu errado, não lembrou que a vacina dura dez anos e resolveu se revacinar. O governo e os governistas, porém, acharam que a histeria foi fomentada pela imprensa.

Pela lei do Evo Morales, isso poderia ser considerado motivo suficiente para silenciar todos os meios de comunicação do país - menos os chapas-brancas, que durante todo o tempo acusaram a imprensa de maldade.

É complicado, não é mesmo?

2 comentários:

Ridere disse...

Caro blogger,

Encontrei o seu blog quando à procura de uma imagem sobre o jornalismo actual.
Devo dizer que hoje em dia a censura anda por aí, e pior do que nunca pois hoje ela não é assumida.
Hoje em dia as notícias são transmitidas digeridas, enviesadas pelas opiniões dos jornalistas e dos seus chefes (sabe-se lá a mando de quem), que se as têm deviam guarda-las para si e permitir a quem vê o noticiário formular as suas próprias opiniões.
Além disso há que lutar contra a própria incompetência dos jornalistas, que noticiam factos descabidos como se fossem verdades absolutas e que são rapidamente absorvidas pelos leigos. Todos os dias (sou médico) me deparo com verdadeiros atentados cometidos pelos media ao abordarem temas relacionados com a saúde. Quetiono-me se não serão incompetentes também nas outras áreas.
O decidir o que é ou não bom para a população é difícil, não posso concordar com a censura, considero-a um crime. Mas a situação actual em que as verdades são desviadas dos factos e as perguntas feitas se distanciam rapidamente das que o cidadão comum pretenderia fazer, preocupa-me mais

Cumprimentos

João Franco, Portugal

Marcelo disse...

Vejo defeitos semelhantes, mas não consigo preocupar-me menos com a censura do que com isso. Para mim, são males gêmeos.

O que me preocupa, na verdade, é que esses defeitos cheguem a desmoralizar o jornalismo a tal ponto que gente boa passe a achar razoável (ou menos maléfica) a censura.

Durante a ditadura militar, uma das justificativas para a censura era coibir a obscenidade. Sob essa justificativa, muita coisa foi censurada. Mas, pior do que isso, muita gente boa acreditou que o principal motivo da censura era coibir a obscenidade.

Já vi muita gente boa dizendo coisas como "que horror esse monte de gente nua na TV, bom mesmo era no tempo da censura, em que isso não acontecia". Sim, não acontecia isso. Mas também não se podia apontar as falhas do governo.

Pessoalmente, prefiro uma imprensa livre que infelizmente erre a uma imprensa que só possa publicar o que for considerado correto pelos poderes de plantão.